Pôr os pés para fora da cama

Todos os dias, quando nos levantamos da cama em que dormimos, tiramos nossos pés dela e projetamos o corpo para fora. Começamos uma nova jornada. Podemos dizer que ressuscitamos de novo, para um novo dia cheio de atividades. Esse ato tão cotidiano e repetitivo de nossa rotina diária pode ser tomado como simbólico de muita coisa que acontece em nossa vida. Por exemplo, quando passamos por uma grande dificuldade que nos expõe diante de nossos limites, chegando à prostração; se lutamos para superar tal situação, temos a sensação de reviver ou ocasião para “respirar” de novo. Passa o sufoco. É como acordar de novo e retomar a luta.

Se olharmos bem, são frequentes situações em que temos de acordar e pôr os pés no chão da vida. Há, porém, pessoas que, por sua postura, parecem continuar permanentemente deitados em “berço esplêndido”, desejando que seja sempre hora de dormir, pois têm preguiça de acordar para a vida e enfrentar, de cabeça erguida, os problemas. Não se preocupam com a luta que exige posturas mais altaneiras. Se é verdade que há pessoas assim, é verdade também que a maioria não é assim e aceita a condição que obriga a pôr os pés para fora da cama.

A atitude de recomeçar faz parte de nosso existir, quer queiramos ou não. Ressuscitar para o dia a dia é uma espécie de “treino” para o último ato que pertence a Deus, de nos “levantar” na ressurreição dos mortos, o que professamos na fé cristã.

Na verdade, a cada dia que levantamos de nosso leito, fazemos um exercício de fé, mesmo que de modo inconsciente, pois damos como pressuposto que ele vai transcorrer bem, segundo nossas expectativas. Nem precisa pensar muito, o hábito nos condiciona a ligar o “piloto automático” e percorrer as horas segundo programadas em nossos rituais e afazeres, até chegar a hora de ir para a cama novamente, para, na manhã seguinte, pôr de novo os pés para fora dela e reiniciar tudo.

A rotina da vida exige de nós “pôr os pés no chão” e encarar a realidade com realismo, sem fantasia demasiada. Sair da nostalgia e abraçar os desafios é a missão de cada um que deseja progredir e viver a vida como ela se apresenta. Ficar em atitude passiva, esperando que as coisas aconteçam ou caiam prontas do céu, é permanecer na “cama”, dormindo, enquanto a vida passa. É necessário “fazer por merecer” o que se deseja, sonhar só não basta; pôr a mão na massa se quiser ver a “construção subir”.

Há pessoas sufocadas por problemas e que perdem o ânimo de viver, prostram-se diante deles, e a depressão chega para mantê-las para “baixo”, inclinadas em seu desamparo, num leito de dor. Como em todas as manhãs, é preciso pôr os pés para fora da cama e projetar o corpo para frente. É necessário ressuscitar diante das cruzes e acreditar que sempre é possível seguir em frente, mesmo quando a fragilidade parece ser maior que as forças para superá-la.

Acreditar na vida é condição para vivê-la e desfrutar daquilo que ela oferece. Deitar-se, mesmo que seja em “berço esplêndido”, sonhar um pouco para respirar pode ser útil, mas permanecer assim o tempo todo é viver fora da realidade e não saborear o gosto das conquistas avinda da luta que os passos dados realizaram.

Jesus, diante de pessoas prostradas que lhe pediam ajuda, dizia-lhes: “Levanta-te, toma teu leito e caminha”. Nunca as aconselhou a ficar se lamentando do passado difícil e sim a retomar o caminho. “Não voltes a teu passado” (não peques mais).

Ficar de pé cada manhã é sinal de esperança. É gesto que nos põe em movimento, andando para frente e caminhando para o futuro. Por isso continuemos “pondo nossos pés para fora da cama”.

Pe. Deolino Pedro Baldissera, SDS
Padre salvatoriano há 43 anos, professor e psicólogo pela Universidade Gregoriana de Roma, com mestrado em Psicologia e doutorado em Ciências da Religião. Atualmente é pároco em Videira-SC.
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