Nós, cristãos, estamos habituados a refletir sobre o Evangelho e nos referir a ele como Palavra de Deus. O Evangelho é um dos meios privilegiados que temos para discernir sua vontade. Contudo é comum também se dizer que Deus fala pelos “sinais dos tempos”. Em outras palavras, nos acontecimentos do cotidiano. Aqui quero explorar esses “sinais”, tentando vislumbrar “falas” de Deus para nós hoje.
No momento, uma questão que se sobressai é a pandemia. Olhando para ela e tudo o que ela tem provocado, podemos acreditar que, por ela, Deus possa estar nos falando. Cabe a nós discernir. Arrisco-me a fazer algumas considerações nessa perspectiva, sem a pretensão de ser porta-voz de Deus, mas apenas apontar para possíveis dicas que Ele esteja dando para nosso mundo.
Começo a investigação levantando algumas questões. O fenômeno da pandemia é um fato universal, isto é, atingiu todos os países. O vírus tem uma força tal que todas as bombas atômicas guardadas para guerra e destruição não conseguiriam destruí-lo. A covid-19 não respeita posição social, raça, cor nem idade, embora tenha começado atingindo os mais “velhos”, poupando, no início, as crianças. O vírus tem um poder avassalador. Está mudando, à força, as relações do convívio entre as pessoas, levando à mudança de hábitos no cotidiano. Multiplica-se em novas cepas, pondo em risco a eficiência das vacinas. Está perdurando por um tempo maior do que se conhecia para uma pandemia. Não temos certeza de quando vai acabar. Termina uma onda, surge outra mais forte.
Tem afetado não somente a parte econômica em todos os níveis, como também causado sofrimento grande de toda ordem, a começar pelos familiares de acometidos pelo vírus e, de modo especial, para aqueles enlutados. Não permite nem mesmo uma digna despedida dos entes queridos. Tudo tem de ser às pressas, pois há a ameaça do contágio. Impôs um distanciamento entre as pessoas, não permitindo o contato afetivo antes praticado. Abalou o lado psicológico de todos, deixando lastros de insegurança e inquietações, resumidas nas perguntas até quando vai isso? E como será depois?
Obrigou-nos a encontrar formas novas de comunicação, de reuniões e de estudos, mesmo que forçadamente. Isso podemos contabilizar como um aprendizado positivo. Nessa perspectiva, poderíamos concordar que há males que vêm para o bem! Depois da pandemia, não seremos mais os mesmos. Com será o novo “normal” ainda não sabemos bem, pois estamos em plena crise.
Diante de tudo isso, onde estão as “falas de Deus”? Vamos tentar discernir alguns sinais pictogramáticos escondidos nessas situações ambíguas acima enumeradas.
Em primeiro lugar, devo dizer que a pandemia não é obra (iniciativa) de Deus. Alguns poderiam pensar que Ele estivesse enviando a pandemia para nos castigar. O Deus que creio não faria isso, podemos, sim, admitir que Ele possa estar se servindo dela para nos dar um recado. E qual recado? Um deles certamente é um apelo para voltar a sermos mais humanos, mais próximos de seu projeto inicial.
O caminho que estávamos (estamos) seguindo, cada vez mais, tornava-nos (ou ainda torna) “máquinas de produção” para gerar lucros. Isso, além de nos estressar ao extremo, vinha (vem) gerando cada vez mais um distanciando entre o “muito para poucos” e as “sobras” para muitos”. Uma divisão injusta e contrária aos desígnios de Deus quando nos deu sua criação para desfrutarmos dela com equidade e sem destruí-la. Deturpamos em demasia os preceitos básicos que indicavam o caminho apontado por Ele em sua Palavra, rumo à felicidade oferecida por Ele e não a de meros momentos “lúdicos e prazerosos”, como muitos definem a felicidade. A maldade, o ódio ultrapassaram os limites da normalidade, afetando as cotas que o coração pode suportar. O descarte de pessoas como coisas inúteis porque não são mais lucrativas.
Nossa “torre de Babel”, cada vez mais confusa na construção de vínculos que nos aproximem do projeto de Deus, para nós ligados às verdadeiras origens (somos imagem e semelhança de Deus), apesar dos meios eficientes da era digital que já dominamos. A medida da verdade relativista, feita pelo subjetivismo de cada um, vem negando o espaço para uma verdade objetiva como referência para os julgamentos.
Em meio a tudo isso, há os sinais positivos indicando caminhos que nos aproximam do projeto divino, como aqueles demonstrados em tantos gestos de solidariedade e de busca de novos medicamentos para a cura dos doentes, como também na dedicação daqueles que se empenham para salvar vidas e de tantas mudanças havidas na vida de pessoas que se tornaram melhores. Essa realidade ambígua que nos move, pra lá e pra cá, parece nos indicar o que o profeta dizia: “Buscai os caminhos do Senhor enquanto Ele se deixa encontrar” (Isaías 55,6).
Discernir as “falas” de Deus nesse meio todo é tarefa para quem crê e desafio também para quem não crê. Continuar vivendo com esperança, sem esmorecer, mesmo que nem tudo esteja claro.
De uma coisa estou certo: Deus está no meio de nós e não está indiferente, e nem nos deixando à própria sorte. O Deus que confesso e creio é Senhor do Universo que nasceu de suas mãos e nunca o abandonou. Nosso grito por socorro ecoa em seus ouvidos, e seus ecos de retorno estão, neste tempo de pandemia, ressoando neste meio confuso em que estamos vivendo. É aí que estão as oportunidades de encontrá-lo em nosso hoje.
Os sinais que Ele nos dá nem sempre são observáveis com nitidez, talvez estejam nas perguntas novas que nascem em nosso espírito. Fazer-se perguntas novas sobre a situação que estamos vivendo faz parte do discernimento para descobrir as suas “falas”. Então, qual a pergunta nova que a situação suscita em mim, em você? Discernir é ir além daquilo que já sabemos. O eco da fala de Deus pode estar sinalizado pelos questionamentos novos que nos fazemos diante dos sinais que estão presente em nosso mundo de hoje. Atentos a isso, saiamos um pouco de nossos lamentos e procuremos nos meandros de nossa realidade um tanto confusa os ecos da voz de Deus falando para nós de seu amor eterno e imutável por toda a sua criação.
Pe. Deolino Pedro Baldissera, SDS
Padre salvatoriano há 43 anos, professor e psicólogo pela Universidade Gregoriana de Roma, com mestrado em Psicologia e doutorado em Ciências da Religião. Atualmente é pároco em Videira-SC.