Reaprendendo a flanar

Entre os vários sentidos que se atribuem ao verbo “flanar”, o significado formal sempre diz de algo sobre andar sem rumo, sem sentido e ociosamente.

Com meus pés morrendo de saudades da rua, minhas mãos pousam no teclado, meus ouvidos escutam “acordes saltimbancos”, ouço a vizinhança ao longe, e a memória longínqua me faz lembrar certas cidades invisíveis.

Não sabia mais se era sonho ou realidade, se era realidade sonhada, se era sonho realizado, só sei que meu “All Star azul” pisou na rua.

Não eram mais a mesma praça, o mesmo banco, nem as mesmas flores, nem o mesmo jardim.

Eu também já não era mais a mesma.

O que eu enxergava já não me afetava da mesma forma.

Nas palmeiras enfileiradas, o ir e vir sem fim.

Ipês desprendiam suas flores bailarinas.

Ao redor da praça, pessoas correndo contra o tempo, ao encontro da saúde e do bem-estar.

Nos passos curtos dos idosos, a sabedoria dos que perderam a pressa de chegar.

A presença divina nos ninhos, brotos e flores era de calar a alma de tanto encantamento.

A fonte seguia jorrando e ressignificando cada gota, num transbordar infinito e cotidiano que somos nós.

Máscaras na face das pessoas como se fossem uma declaração de amor próprio e à vida em comum.

O barulho ensurdecedor dos carros seguia nos desafiando a encontrar caminhos e alternativas mais sustentáveis.

Sementes pelo chão, sementes pela terra, sementes ao vento, um ar primaveril nos convidando a renascer e ser transformação.

O cheiro da pipoca trouxe lembranças, e fez-se infância.

Beijos estalando doçura e desejos eram ouvidos.

Casais das mais variadas composições seguiam de mãos dadas celebrando a vida.

A alegria da menininha que parecia voar no seu primeiro passeio de bicicletas sem rodinhas contagiava e nos enchia de metas e planos.

A água potável que mata a sede, independente de faixa etária, credo ou classe social, seguia disponível e democrática.

A essa altura, eu já estava descalça, sentindo as pedras do caminho nos pés, mas sabendo que flanar é preciso e que as cidades seguem e seguirão nos desafiando e inspirando.

Cada dia, todo dia!

Maria José Brant (Deka), assistente social, estudante de Antropologia, analista de políticas públicas no Programa Bolsa Família, mestra em Gestão Social, mosaicista nas horas vagas.

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