A “Rede um Grito pela Vida” é um espaço de articulação, ação profética e solidária da vida religiosa consagrada do Brasil. É uma rede intercongregacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas e suas consequências que, sem dúvida, são desastrosas e impedem a vida e a dignidade de milhares de pessoas no mundo todo, especialmente no Brasil. Nosso país já está entre os que mais praticam esse “crime vergonhoso” que deve ser combatido por todos, como nos alerta o Papa Francisco.
O tráfico de seres humanos fatura, por ano, mais de 150 bilhões de dólares em todo o mundo. Depois do tráfico de drogas, é o mais rentável. Por isso o desafio é grande e nos pede uma destemida resposta profética e missionária.
Tecendo e formando esta rede, somos aproximadamente 350 religiosas e religiosos de diversas regionais e congregações. Ultimamente vêm se somando conosco 90 leigas e leigos comprometidos com essa desafiante situação. Como parte constitutiva da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB Nacional), a Rede atua de forma descentralizada e articulada com as organizações e iniciativas afins, nas diversas localidades, Estados e Municípios. Integra a Talitha Kum – Rede Internacional da Vida Religiosa Consagrada. As religiosas e os religiosos que integram a Rede, bem como as leigas e os leigos, atuam voluntariamente nas diversas regiões do País. Os membros estão articulados em 29 núcleos e 5 regionais, integrados com as organizações eclesiais e civis, fomentando, promovendo e, ou, participando de atividades e processos de prevenção, assistência e intervenção política, buscando instruir e instrumentalizar a sociedade, a fim de impedir o avanço desse mal que vem crescendo a cada ano.
A “Rede um Grito pela Vida” nos permite ampliar alianças intercongregacionais em prol da vida ameaçada e ferida das pessoas traficadas e violentadas em seus direitos. Possibilita-nos ensaiar passos de encarnação em novos espaços sociais, políticos e teológicos. Com o lema “Enfrentar o tráfico de pessoas é nosso compromisso”, procuramos desenvolver um conjunto de atividades de:
• sensibilização e informação com grupos de jovens, adolescentes, priorizando os que se encontram em situação de vulnerabilidade, lideranças comunitárias, agentes de pastoral e outros;
• organização de grupos de reflexão e estudo, debates, aprofundando as causas e situações que o favorecem como questões de gênero, violência, modelo de desenvolvimento, grandes construções e projetos, grandes eventos, hedonismo midiático, desemprego, corrupção, impunidade e outros;
• capacitação de multiplicadores e multiplicadoras, visando a ampliar a ação de enfrentamento ao tráfico de pessoas, principalmente para fins de exploração sexual;
• participação e mobilização social e política de incidência na definição e efetivação de políticas públicas de prevenção e enfrentamento ao tráfico de pessoas.
Sobre um pouco de nossa atuação como núcleo da “Rede um Grito pela Vida” na desafiante realidade de São Paulo, posso dizer que somos “uma gotinha no oceano”, mas, como diz a irmã Maria Inês, presidente e animadora da vida religiosa nacional, sem essa gotinha, a vida estaria mais ameaçada. Realizamos atividades de conscientização e prevenção em nossas realidades de missão: escolas, centros de acolhidas, grupos de reflexões nas paróquias, também a formação de professores e educadores, para que sejam multiplicadores de uma proposta educativa de prevenção e encaminhamentos de possíveis situações de vulnerabilidade em que muitas crianças se encontram, inclusive sofrendo abusos dentro de suas próprias casas.
Para alimentar a mística da solidariedade e do cuidado com a vida à luz da Palavra de Deus, elaboramos celebrações mensais, enviando às comunidades para que, fortalecidas, fortalecidos pela oração, possamos ampliar nosso olhar confiante da presença de Deus em nossa missão, como nos confirma Êxodo (3,7-8); é o próprio Deus criador e defensor da vida que nos diz: “Estou vendo muito bem a aflição de meu povo… Ouvi seu clamor… Tomei conhecimento de seus sofrimentos… Desci para libertá-lo…”. Com certeza, o Senhor conta conosco, consagradas e consagrados, cristãos leigos e leigas, para combater essa chaga terrível do abuso e tráfico de seres humanos em nossa realidade concreta.
O Papa Francisco, sem dúvida, é nosso grande aliado. Ele nos motiva incansavelmente a continuarmos com nosso compromisso. Incentiva todos os institutos de vida consagrada a apoiarem o compromisso de suas religiosas e seus religiosos na luta e prevenção desses males que não param de crescer. Concluo este artigo fazendo eco às palavras do Papa no Seminário da Rede, em Roma, em 2019. Numa mensagem às Congregações, ele diz: “Temos tantos problemas para resolver dentro, não podemos… Diga-lhes que o Papa disse que os problemas ‘internos’ são resolvidos saindo para a rua. Que entre ar fresco”.
Irmã Cirley Covatti, religiosa da Congregação de Jesus, CJ, coordenadora do Centro de Espiritualidade Mary Ward, em Itapecerica da Serra-SP; atual referencial da “Rede um Grito pela Vida”, pela Regional de São Paulo.