Refletindo o Sábado Santo

“… colocou o corpo de Jesus num túmulo novo, que mandara escavar na rocha…”

É sábado, e Jerusalém voltou à sua normalidade: nada mudou, ao menos aparentemente, na história. Silêncio gélido, desconcerto, frustração e indiferença cobrem a Cidade Santa como um manto de densa neblina.

Como seguidores(as) de Jesus, vivemos nossos adventos, natais, quaresmas, páscoas e pentecostes; vivemos nossas sextas-feiras; é preciso aprender a viver o incômodo silêncio dos sábados santos.

No caminho do seguimento de Jesus, há “Sábados Santos”, tanto no nível pessoal como comunitário: passamos por contínuas mortes, noites escuras, crises, silêncios carregados de tristeza, falta de esperança, dúvidas de fé, fracassos, traumas…

A humanidade inteira vive um grande “Sábado Santo”; há uma espera angustiada dos povos. 

+ Partindo dessa experiência, contemplemos um momento como descem do Gólgota, Maria, o Discípulo Amado e algumas mulheres que estavam junto à Cruz, com a horrível sensação de que tudo acabara.

+ Hoje é dia de silêncio: recordar os grandes silêncios da vida (perdas, fracassos, crises…) onde não há razões, mas no silêncio profundo, algo novo começa a germinar…

+ É preciso envolver este “sábado santo da vida” com os perfumes da compaixão, solidariedade, amizade, comunhão…

– Onde encontrar a razão, o segredo e o sentido deste dia que dá a sensação de um “dia morto”?

Certamente está neste fato: se o Crucificado não tivesse descido até os “infernos” da vida, em quem os homens e as mulheres que ali vivem poderiam se apoiar? A quem poderiam ter por companheiro, amigo e irmão? De quem poderiam sentir uma presença consoladora?

A Igreja primitiva viu a “descida entre os mortos” como paradigma da Redenção. No Sábado de Aleluia, ela lembra este “descer” às profundezas da terra e da humanidade.

Na “descida aos infernos”, lá onde o ser humano chegou ao extremo, onde ele se encontra excluído de toda comunicação e comunhão, onde não pode fazer mais coisa alguma, aí Jesus o toma pelas mãos e ressurge com ele para a vida. Jesus Cristo acolheu tudo quanto é humano e, dessa maneira, tudo redimiu. Ele “subiu” ao céu porque “desceu” às profundezas da terra.

– A descida aos “infernos” é imagem da descida de Jesus às regiões sombrias de nossa existência.

Descobrimo-Lo presente nos nossos “infernos interiores. As profundezas de nosso ser se iluminam, e tudo quanto foi reprimido, recalcado, ferido… é tocado e assumido por Jesus e nos desperta para a vida.

É preciso descer, com Jesus, ao túmulo de nossa interioridade, transitar pelos espaços e dimensões não integradas. Só quem desce às profundezas de si mesmo é capaz de vislumbrar potencialidades de vida que não foram ativadas. É preciso morrer ao “ego”, “descer” aos “infernos” interiores e sociais para expandir a vida em novas direções.

O evangelista João nos diz que Jesus, após sua crucifixão, foi colocado em um “sepulcro novo”

O sepulcro representa a “passagem” entre o antigo e o novo. Ao ser fechado com uma pedra, no entardecer da Sexta-Feira Santa, encerrava-se um ciclo. Ao se abrir, na madrugada do domingo, inaugura-se um novo tempo, uma nova Criação. Os sinais estão ali, no ventre aberto da Terra. Sinais que podem ser mudos para nós e fazendo-nos deter no passado, ou podem ser umbral de novas significações.

– Nosso mundo carrega a cultura da morte, do ódio, da violência, da intolerância… Toda a criação geme em dores de parto, esperando vida plena.

Em meio a tantas trevas, só há uma pequena luz que permanece acesa da casa do discípulo amado, na casa daquele a quem Jesus confiou sua Mãe, no momento de sua morte. A Mãe é o símbolo da esperança no Sábado Santo. É o dia “mariano” por excelência. Nunca, como neste dia, ela se sentiu tão só, tão sem corpo. Mas, com certeza, o Abbá de Jesus tinha para ela um segredo, um advento inesperado: o momento de exclamar: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei” (Hb 1,5).

As mães geram a vida; por isso, custa-lhes crer na morte. Maria continua crendo na vida; ela é mãe demais para esquecer. Seu filho é “muito Filho” para morrer.

Sábado Santo é tempo não só de espera, mas de esperança; é deixar que o grão de trigo morto comece a dar fruto, é tempo de um inverno que tornará possíveis as flores da primavera, é tempo de imaginar, de criar, de abrir-se a algo novo e inesperado, de sonhar um mundo melhor e uma Igreja mais nazarena. 

Este espaço de silêncio não é de morte senão de vida germinal, é noite que aponta à aurora, são as noites escuras da vida que desembocam na alegria da alvorada; é tempo de fé e de esperança, é momento de semear, mesmo que não vejamos os resultados, é tempo de crer que o Espírito do Senhor, criador e doador de vida, está fecundando a história e a terra para seu amadurecimento pascal e escatológico, para a terra nova e o céu novo.

– A Luz está para chegar. O Espírito ficou sem palavra, mas já sussurra. A voz do silêncio já geme; nele vislumbra-se a chegada da Vida. Algo grandioso se prepara.

Da escuridão da morte do Filho de Deus brota a Luz de uma esperança nova: a luz da Ressurreição reflete-se no rosto de Maria. Nossa amizade e devoção a Maria da esperança, a transparência feminina do Espírito, nos mantém no ritmo da espera. Aproximam-se os rumores de ressurreição. É Páscoa.

Não basta renascer; é preciso assumir nossa condição de responsáveis de uma Nova Vida.

+ Texto bíblico: Mc 15,42-47.

+ Neste Sábado Santo, situemo-nos junto ao sepulcro, lugar onde tivemos os últimos sinais ou notícias d’Aquele que foi fiel até o fim. 

+ S. Inácio nos convida a passar este dia na casa de Maria, em comunhão com seus sentimentos e sua esperança. É a única que tem certeza de que a Vida do seu Filho não permanece na morte.

+ Sua atitude revela-se antecipadora da Ressurreição, assim como ela antecipou o primeiro “sinal” de Jesus nas Bodas de Caná.

Padre Adroaldo Palaoro, SJ

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana (CEI).