Iniciamos o ano de 2020 repletos de sonhos, planos e metas a cumprir. Não sabíamos muito bem como ele seria. Até então, o que nos aguardava permanecia um doce mistério. Demos um salto de fé e começamos este ano maravilhoso, acreditando, realizando e também sonhando.
No mês de março, entretanto, fomos surpreendidos por um vírus desconhecido, por uma pandemia que mudou completamente os rumos de nossas vidas. O novo coronavírus trouxe impacto em nível global, chamando a atenção pelo alcance que teve e pela velocidade com a qual se disseminou. A sociedade está diante de uma emergência de saúde pública. Vivemos um contexto de incertezas, medo, ansiedade. Tememos uma recessão global.
Como podemos iniciar nossas reflexões? Se pudéssemos eleger alguns sentimentos, neste ano, seriam medo, falta e saudade. Mas medo de quê? Falta de quê? Saudade de quê? A pandemia de covid-19 isolou os indivíduos em suas casas, fechou nosso comércio. Nos parques de diversão, as luzes se apagaram, cidadãos ficaram desempregados, nossas casas se transformaram em estações de trabalho, enquanto plataformas digitais foram disponibilizadas aos professores e aos alunos, praticamente da noite para o dia. Isolamento social, crianças longe da escola, dos avós e familiares… Acostumados que estávamos a nosso antigo cotidiano, pais e mães passaram então a ser a principal companhia para os filhos, algo inesperado para ambas as partes. Deparamo-nos com uma rotina com a qual nunca havíamos vivido, com as emoções de nossos filhos e com nossas emoções.
Todos nós nos vimos presos em casa e reclusos em nós mesmos, só que não demorou para percebermos que a aparente clausura em que a sociedade estava sendo colocada podia ser, na verdade, também libertadora. Logo explico.
O que é a vida? Perguntamo-nos… Penso que a vida é isso: um eterno adaptar-se e readaptar-se. Darwin já dizia que os sobreviventes não eram os mais fortes, mas os que melhor se adaptavam às mudanças… E que mudanças! Haja criatividade, mas, vamos lá, nós vamos conseguir! Nossa palavra de ordem é esperança!
Para quem não sabe, sou professora há quase 12 anos. Sou mãe de uma criança de 6 anos e de uma de 3 anos. Sou esposa há dez anos, filha há 36 anos e irmã também. Estou trabalhando em casa, numa mistura louca de mãe e professora. Não consigo dissociá-las; elas se complementam.
Estamos colocando em prática estratégias de aprendizagem e relações por meio do afeto, do vínculo e do respeito ao ritmo e ao tempo de cada criança. É um desafio organizar a rotina da casa, o trabalho remoto e a maternidade, entretanto não temos uma receita, temos vontade e força para lutar. Desistir jamais!
A situação emergencial nos fez abraçar a tecnologia como uma ferramenta pedagógica, com a qual nos aproximamos das crianças e de seus familiares para uma troca fundamental. Toda adaptação exige tempo, porém não tínhamos esse tempo, tampouco fórmula mágica. Mas tínhamos de ter bom senso e generosidade…
Minha casa se transformou num espaço de aprendizagens. Resolvi desacelerar. Envolvi meus filhos nessa rotina desafiadora. Recebemos kits pedagógicos do colégio e embarcamos numa viagem de grandes descobertas. Recebemos fita-crepe, lupa, quebra-cabeça magnético, tinta, pincel, cola colorida, jogo da batalha de palavras, boneco ecológico.
A fita-crepe foi fixada na sala e transformou-se em uma trilha mágica de carrinhos; a lupa nos transformou em pesquisadores de animais de jardins; os rolos dos projetos do papai viraram telas dos meus pequenos artistas… Quanta riqueza nessa infinidade de materiais!
Quem já fez massinha caseira quando era criança? Minhas crianças amam brincar com massinha! Nossa cozinha virou um laboratório de pesquisa.
A turma do infantil III do Colégio Sagrado Coração fez uma experiência com a batata-doce antes da pandemia. A batata tem até nome: é a Filomena. A professora Renata Paiva precisava de um lar para acolher a querida Filomena. Então recebemos a Filomena em nossa casa. Não é que ela ficou satisfeita?
Precisamos dar tempo e liberdade às crianças, para que elas explorem, conheçam e se relacionem com o mundo. Segundo a psiquiatra e educadora Maria Montessori, “As crianças precisam ter licença para fazer ciência. E fazer ciência quando se é uma criança começa pela exploração sensorial de tudo”. Isso significa que elas precisam tirar a casca da banana, devem colocar as mãos e os pés na terra, podem tirar as pétalas da rosa para ver como é no centro e até prenderem um inseto dentro de um vidro por algumas horas, para poderem ver seu corpo e o soltar depois dessa observação. Esses momentos ricos em aprendizado podem e devem ser documentados por meio de desenhos e fotos.
Experiências, contato com a natureza, mesmo com o isolamento social… Mãos na terra, aprendizado para a vida! A partir de agora, o projeto continua em nossa casa. As hipóteses estão surgindo, e nós vamos adorar investigar. Como podemos cuidar da Filomena? Ela gosta de sol? Podemos colocar água todos os dias? Muita ou pouca?
De uma forma diferente, estamos ensinando nossos filhos, levando em consideração o modo como eles pensam e aprendem, possibilitando-lhes diversos tipos de interações e experiências significativas. Essa é uma história de pais, tios e avós super-heróis, que encontraram formas de suprir a ausência da rotina escolar na vida da criança. O amor é o fio condutor de nossa história.
Meu filho João relata que está aprendendo muito, mesmo que seja pelo computador. Diz que sente falta da escola, dos amigos e dos professores. Quer voltar à escola para brincar e pesquisar. Finalizou seu depoimento, dizendo que é muito feliz na escola, pois tem muitos amigos. Ele não apresentou dificuldades para adaptar-se às aulas on-line. Demonstra independência e autonomia para realizar suas atividades diárias. Consulta o Google sala de aula para verificar os materiais que serão utilizados pelos professores. Fica frustrado quando não há conexão de internet.
Minha filha Maria Beatriz quer ir para a escola, mas sabe que o colégio está fechado. Relata que sente saudades dos amigos e do parquinho. Ela tem apenas 3 anos, mas sente muita falta desse espaço mágico que é o nosso infantil. Adora assistir às gravações das aulas on-line! Explora todos os materiais que recebe da escola. A tesoura infantil é nossa companheira diária. Apresenta facilidade para manuseá-la. O espelho do banheiro deu lugar aos registros do esquema corporal.
Criamos o costume de falar sobre nossos sentimentos. Como evoluímos! Resolvemos viver um dia de cada vez. Sabemos que não está sendo fácil para ninguém. Estamos unidos e permaneceremos unidos.
Quais histórias estamos construindo nessa trama chamada isolamento?
Será que estamos brincando com nossos filhos?
São tempos difíceis, mas precisamos transmitir esperança e tranquilidade para a saúde emocional de todos. O período de isolamento pode ser uma grande oportunidade de ganhar intimidade com a casa, por meio de brincadeiras e momentos em família. E na dificuldade deste novo tempo, volto-me a ele: “Senhor, fazei-me um instrumento de vossa paz”.
Encerro com uma frase da história famosa de Lewis Carrol, extraída do filme de mesmo título, Alice no país das maravilhas: “Só podemos alcançar o impossível se acreditarmos que é possível”.
Érica Marília Guimarães Braga Martins é pedagoga, pós-graduada em Alfabetização e Letramento, e em Educação Infantil.