“Remexendo sempre na mesma sopa”

Estava lendo um livro e encontrei a seguinte expressão: “mexendo sempre na mesma sopa”. O autor fazia uma análise ampla da busca da integração psicoespiritual. Não vou reproduzir o que ele dizia, mas sim o que entendi ser um dos significados para esse “mexer sempre na mesma sopa”.

Todos nós, humanos, temos duas características básicas: um “coração grande e um pequeno”, expressões usadas pelo autor. Vou me ater aqui ao “coração grande” como aquela tendência natural em nós que nos projeta para o alto, para o altruísmo, para o desejo de servir os outros, para ideais que desejamos alcançar, para projetos duradouros para nossa vida. O outro, “coração pequeno”, aquela dimensão que nos mantém muito voltados para nossas necessidades imediatas, busca de prazer, satisfações subjetivas, centradas em nosso egocentrismo.

Essas duas tendências existem em nós por natureza, isto é, nascemos com elas. A questão é como buscar o equilíbrio entre elas. Se privilegiamos uma só em detrimento da outra ou caímos num espiritualismo histérico, ou num egocentrismo subjetivista que nos distancia dos outros e nos faz rodopiar em torno do próprio umbigo. Em ambos os casos, ficamos “remexendo sempre na mesma sopa”, ou seja, não progredimos como seres humanos, não atingimos as metas maiores que temos para a vida.

Quer queiramos ou não, a vida está ligada a esses dois polos. O do coração pequeno é aquele que nos põe em contato com a realidade cotidiana, cheia de nuances desafiadoras, ao mesmo tempo em que temos de dar conta de nossos compromissos e estar em contato com as pessoas de nossas relações. Vivenciamos conflitos, desacordos, insatisfações, ou porque ficamos cansados de repetir sempre as mesmas coisas em nossa rotina de trabalho, ou porque não nos sentimos compreendidos ou valorizados como desejaríamos nas relações com os outros e acabamos insatisfeitos com nossas “insatisfações”. É nosso coração pequeno que fica girando em torno de si sem sair do lugar. Vira monotonia desgastante que, com o tempo, nos esvazia e nos faz perder o gosto por aquilo que antes considerávamos tão importante. Isso se dá nos vários aspectos de nossa vida. Por exemplo, na vida conjugal. Ao casarem-se, os dois fazem juras de amor eterno.

Depois de alguns anos, começa um cansaço nas relações, e muitos não suportam mais e abandonam o juramento feito. Aquilo que antes era tão satisfatório vira “enjoativo” ou insuportável. Isso está relacionado ao “coração pequeno” que não se integrou, de forma equilibrada, ao “coração grande”, não descobriu ou cultivou sentidos maiores para a união, restringiu-se à satisfação do imediato e, ou, não aceitou as limitações do outro antes idealizado.

Por outro lado, o “coração grande” é aquele que alimenta nossos sonhos de realização com as coisas maiores, valores perenes que nos colocam numa dimensão altruísta, alimentando nossos ideais e nossas crenças. Esse coração grande mal administrado pode causar desiquilíbrio em nossa busca, porque se desliga da realidade concreta e se torna quase que “fantasia”. Isso ocorre muitas vezes no aspecto religioso que, por si, poderia nos elevar, mas que se presta, muitas vezes, para fugir da realidade, virando espiritualismo estéril, desligado da vida concreta (coração pequeno). Também nesse caso, não houve integração entre o coração grande e o coração pequeno. Aí se verifica o “remexer na mesma sopa”. Isto é, não se integra uma espiritualidade genuína à realidade concreta e cheia de desafios. É mais fácil transferir para Deus resolver aquilo que é de nossa responsabilidade do que pagar o preço por nossas limitações e incoerências.

“Remexer na mesma sopa” é o que acontece quando deixamos de nos questionar sobre nosso modo de viver. É certo que nunca conseguiremos uma homeostase (equilíbrio perfeito), contudo isso não nos impossibilita dilatar o coração pequeno para sair de seu ninho subjetivista e de o coração grande ser mais realista em seus sonhos. Somos imanentes e transcendentes ao mesmo tempo. Isso não depende de nossa vontade, porque isso é de natureza, o que fazemos com esses dois movimentos de subir e descer depende de cada um. Certamente que não é uma tarefa fácil, pois está ligada às nossas bases antropológicas que nos empurram para o alto e, ao mesmo tempo, obriga-nos a ficar com os pés no chão. “Remexer na mesma sopa”, no caso, é não se dar conta dessa realidade e ficar girando na mesmice de sempre, desanimando diante das exigências vitais que dão razão à nossa existência e nos refugiando em depressões que consomem as energias, ou virar “anjos” inocentes fora do contexto da existência, despersonalizados e insípidos. Haja caldo para continuar a “remexer nessa sopa”!

Pe. Deolino Pedro Baldissera, SDS
Padre salvatoriano há 43 anos, professor e psicólogo pela Universidade Gregoriana de Roma, com mestrado em Psicologia e doutorado em Ciências da Religião. Atualmente é pároco em Videira-SC.

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