Quando estão em jogo mudanças climáticas (que afetam a todos nós, globalmente), a autonomia das nações e a necessidade de atuar em consenso, não há respostas fáceis nem acordos ou ações isentas de críticas, dada a pluralidade de problemas e desafios. Para inaugurar os textos ambientais de 2024, nós nos propusemos a estabelecer um olhar (entre tantos possíveis) sobre a recente COP28, já que, em 2025, o Brasil sediará a COP30. Fica o convite para avançarmos em críticas e leituras sobre essa questão tão importante.
Somos herdeiros de uma tradição de pensamento que situa como sagrada a vida humana e não a do planeta e de outras espécies. É uma questão problemática desde as origens, mas foi potencializada, entre outros fatores, com o desenvolvimento tecnológico acoplado à ação humana, como braço comprido que a tudo alcança e ceifa em nome do “bem-estar” e da “vida” da humanidade. Discursos e justificativas sempre são muito mais polidos que a força motriz do moinho econômico. Assim é com os termos “bem-estar” e “vida”, que sugerem equidade quando, na verdade, movimentos políticos e financeiros operam em nome do lucro; a desigualdade, a crise ecológico-humanitária e as mudanças climáticas são subprodutos dessa mentalidade.
A complexidade dos desafios anunciados exige ação coletiva e global para o enfrentamento de problemas que afetam a todos nós. A 28a Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (UNFCCC-COP28) é um esforço nesse sentido, mas também é reflexo dos conflitos, interesses individuais de cada nação, das dificuldades de diálogo e construção de consenso tão presentes neste início do século XXI.
O balanço da COP28, realizada em Dubai, de 30 de novembro a 12 de dezembro de 2023, é marcado por ambiguidades que iniciaram com a escolha do país, Emirados Árabes Unidos, e do presidente da Conferência, que atua na companhia nacional de petróleo daquela nação. A Conferência foi a maior já realizada, tanto em termos de espaço físico quanto no número de participantes, que circulavam nas chamadas “área azul”, restrita às negociações, e a na “área verde”, que reuniu agentes sociais para discussões públicas.
Com delegados de 200 nações, as ausências dos chefes de estado dos EUA e da China foi percebida como sintomática de seu (des)comprometimento com os temas; também foi simbólico do espírito da Conferência a presença massiva de lobistas de corporações, considerando que a pauta flutuou em torno da energia, do transporte, da natureza e do balanço das metas estabelecidas na COP21, com o Acordo de Paris, limitando o aquecimento global a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais.
Leituras sobre os resultados do evento dão visibilidade à complexidade das questões discutidas. Apesar dos avanços apontados, sobram críticas. Se a inclusão da menção aos combustíveis fósseis no documento COP28 – The UAE Consensus (disponível aqui) é considerada uma vitória, a resistência à sua supressão evidencia a força que a indústria do petróleo ainda tem na economia mundial e para os países. A substituição do termo “eliminação” por “transição gradual” dos combustíveis fósseis para outras formas de energia renováveis foi uma das condições para o consenso.
A agenda de ação está sustentada em quatro pilares: transição energética, financiamento, natureza-pessoas-vida e ação climática inclusiva. Diferentes atores sociais valorizam ou criticam pontos específicos do evento ou do documento, revelando o quanto cada palavra foi discutida e negociada.
O Papa Francisco assinou a declaração dos líderes religiosos para a COP28, reafirmando a responsabilidade compartilhada e a fraternidade em prol das metas, assim como o apoio necessário às comunidades afetadas pelas mudanças climáticas. Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, destacou a importância da inclusão da transição “para fora” dos combustíveis fósseis no documento. Ela pontuou o comprometimento requerido das nações, especialmente nações desenvolvidas, na liderança do percurso. Já o presidente Lula enfatizou a importância de se trabalhar construtivamente, com todos os países, para pavimentar o trajeto entre a COP28 e a COP30, que será realizada no coração da Amazônia. Até lá, há muito o que agir e cooperar para que as palavras assumam força de transformação.
Referências
COP28: que se chegue a bons resultados para nossa Casa Comum, são os votos do Papa. Vatican News, 10 dez. 2023. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-12/papa-francisco-angelus-cop28.html
COP28 – The UAE Consensus. 2023. Disponível em: https://cop28.com/UAEconsensus
Leanderson Lima. Muito Barulho por Quase Nada. Instituto Humanitas Unisinos, 16 dez. 2023. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/635291-cop28-muito-barulho-por-quase-nada
Movimentos entregam carta a Lula com proposta de Cúpula dos Povos na COP30. Instituto Humanitas Unisinos, 6 dez. 2023. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/634868-movimentos-entregam-carta-a-lula-com-proposta-de-cupula-dos-povos-na-cop30
Marli Teresinha Everling
Professora dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille); coordenadora do Projeto Ethos – Design e relações de uso em contexto de crise ecológica; colaboradora do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental (caranguejo.org.br); colaboradora do blog SSpS Brasil para temas ambientais (https://blog.ssps.org.br/posts); colaboradora das redes sociais do design para temas ambientais – Instagram @designuniville