Em 20 de novembro, o Brasil comemora o Dia da Consciência Negra. Para marcar a data, nosso blog apresenta algumas reflexões partilhadas por religiosas consagradas. Hoje a apresentamos as contribuições da irmã Maria Luíza da Silva, religiosa da Sagrada Família, e da irmã Nadir Vieira Pereira, missionária serva do Espírito Santo.
Desafio diário e sinal de resistência
Ser negra no Brasil é um desafio diário. É sentir o racismo explícito e implícito junto à sociedade. É conviver com violência, injustiça e exclusão. É ser tratada com discriminação e inferioridade. Mas, ao mesmo tempo, ser negra no Brasil é ser sinal de resistência, resiliência e alegria. Exemplo de força e cidadania. Diversidade, interculturalidade e espiritualidade.
Todas as vezes em que reclamamos da violência, da injustiça, da discriminação contra os pretos, as pretas, parte considerável da população brasileira afirma que é vitimismo. É fato que as mulheres negras sofrem muito mais com a violência doméstica do que as brancas, os jovens pretos correm mais risco de assassinato do que os jovens brancos, os trabalhadores e as trabalhadoras pretos e pretas têm uma remuneração inferior à dos brancos, brancas.
A Conferência dos Religiosos e Religiosas do Brasil (CRB) tem procurado resgatar a cultura e a espiritualidade afro-indígena. Não é uma tarefa fácil, porque boa parte dos religiosos e religiosas negros, pretos e indígenas têm dificuldade para aceitar sua origem. Cresceram sofrendo a discriminação e a rejeição. Ao ingressar na vida religiosa consagrada, o religioso, a religiosa sofre um racismo menos impactante, camuflado, implícito, por isso não sente motivação para assumir a luta social contra o racismo.
Ser negra é lutar contra termos pejorativos que associam o negro, a negra a coisas ruins, por exemplo: “ovelha negra”, “câmbio negro”, “a coisa está preta”, “peste negra”, “denegrir”, mesmo que a sociedade considere essa luta uma bobagem, perda de tempo. Sabemos que a palavra denegrir significa tornar escuro, fazer ficar negro… Por que não substituir “denegrir” por “difamar”? Por que temos de atribuir ao preto, à preta aquilo que não é bom?
Por que não falamos da beleza da cultura negra e da grande contribuição desse povo à culinária, arte, ciência, religiosidade e história do Brasil? Ficaria evidente que do negro, da negra, do preto, da preta provém o que é bom, belo e necessário para o desenvolvimento saudável da coletividade.
Todo cristão, toda cristã deveria ter a consciência de que o racismo é um pecado grave, pois, se somos criados à imagem e semelhança de Deus, não podemos ser considerados seres inferiores pela cor de nossa pele. Chamar uma pessoa preta de “macaco”, “imundo”, “nojento”, “bandido”, “criminoso” é agredir a criação divina, portanto blasfemar contra o próprio Deus que nos criou à sua imagem e semelhança.
O Documento de Aparecida reconhece a legitimidade das reivindicações dos povos afro e indígena:
Os indígenas e afro-americanos emergem agora na sociedade e na Igreja. Este é um “kairós” para aprofundar o encontro da Igreja com estes setores humanos que reivindicam o reconhecimento pleno de seus direitos individuais e coletivos, serem levados em consideração na catolicidade com sua cosmovisão, seus valores e suas identidades particulares, para viver um novo Pentecostes eclesial (n. 91).
Ser negra é cultivar uma espiritualidade que reverencia a ancestralidade e reconhece o divino em cada ser criado por Deus. Oxalá que nossas congregações sejam instrumentos de combate a toda forma de racismo e discriminação, proporcionando aos religiosos, às religiosas uma maior aceitação de sua identidade.
Irmã Maria Luíza da Silva, RSF
Religiosa da Sagrada Família, advogada militante desde 2013, assessora executiva da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) desde 2018, pós-graduada em Missiologia pela Fateo (Faculdade de Teologia da Arquidiocese de Brasília), membro do Observatório Racial Dom José Maria Pires.
O negro questiona por seu jeito
Ser negro no Brasil hoje é ser uma pessoa resistente, decidida. O negro sempre incomoda, questiona por meio de seu jeito de ser, falar, vestir, pentear. É um “lutar” contra o preconceito e, a cada dia, manter-se consciente da inclusão social. O maior desafio do negro é realmente viver o dia a dia, acreditando que seu direito seja respeitado, buscando vida igualitária diante de todas as pessoas, pois a desigualdade social está infelizmente enraizada no ser humano
Irmã Nadir Vieira Pereira, SSpS
Missionária serva do Espírito Santo, originária de Nhunguara, uma comunidade remanescente de quilombo no Município de Eldorado-SP.