Sexta-feira da Semana Santa

Paixão e morte de Jesus: amizade com os crucificados

Na vida e missão de Jesus, encontramos duas paixões: a primeira é a paixão pela vida, pelo Reino, pelo compromisso em favor dos mais pobres e excluídos. Esta paixão é expressão de uma opção, assumida fielmente por Jesus até o fim.

A segunda paixão é a da cruz, imposta pelos poderes religiosos e civis. Ela não é fruto da opção de Jesus e nem faz parte da vontade do Pai. Ela é a visibilização da violência, do ódio, do fechamento frente à proposta de vida revelada por Jesus.

Sabemos que a cruz só tem sentido quando é consequência de uma opção autêntica em favor da vida ou de uma verdade assumida: por exemplo, se sofremos por levar adiante uma causa justa, por defender pessoas, por evitar um mal ou denunciar uma injustiça… Jesus não morre na cruz para buscar o sofrimento, mas por ser fiel até o final à sua mensagem: o amor incondicional ao Pai e o compromisso com os excluídos.

No grego, “cruz” é “staurós” e tem dois significados: de um lado, é patíbulo, instrumento de tortura imposta pelos romanos aos rebeldes do império; de outro, significa prontidão, estar preparado, mobilizado, firme, sólido, estar de pé, ser fiel até o fim…

Jesus não buscou a cruz do sofrimento, o patíbulo, a morte violenta… Ele buscou a cruz da fidelidade, da vida comprometida. Nesse sentido, a “staurós-cruz” é vida aberta, expansiva, oblativa, vida descentrada em favor dos outros. Ela não é um evento, mas um modo de viver, pois perpassa toda a vida de Jesus. 

“Cruz-staurós” é vivida a partir de uma causa: o Reino.

Nesse sentido, a cruz de Jesus não é um “peso morto” a ser suportado; ela é consequência de uma opção radical em favor da vida; a cruz não significa passividade e resignação, pois ela brota de uma vida plena e transbordante; a cruz resume, concentra, radicaliza, condensa o significado de uma vida vivida na fidelidade ao Pai, que quer que todos vivam intensamente.

A cruz, desligada de uma vida comprometida, não tem sentido; ela é salvífica quando é assumida e vivida em favor dos demais. Nunca é sofrimento buscado, como se Deus necessitasse de nossa dor para nos redimir. A Cruz liberta quando não acaba na cruz, mas na ressurreição. Enquanto a carregamos, ela se torna leve se temos diante de nós um horizonte de esperança. “Vinde a mim todos vós que estais fatigados e sobrecarregados, e eu vos darei descanso. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve” (Mt 11,28-30). Infelizmente, a história da espiritualidade cristã confundiu “cruz-patíbulo” com “cruz-fidelidade” e acabou gerando uma espiritualidade do sofrimento, da mortificação, da renúncia… como se isso fosse agradável a Deus. A Paixão e Morte de Jesus foi “desconectada” de sua vida comprometida em favor dos pobres e sofredores, dando a impressão que só a “paixão de Jesus” é salvífica. Toda a vida de Jesus é salvação porque é vida que destrava vidas e abre para elas um novo sentido.

Com isso, privilegiou-se a “cruz da dor” desligada da “cruz da vida”, do compromisso com o Reino. Tal concepção desembocou numa vivência cristã intimista, farisaica, alienada, descompromissada…

Sabemos que o(a) seguidor(a) de Jesus, quando vive a fidelidade à “cruz-staurós”, por causa do Reino, pode encontrar a perseguição, oposição e morte, como o próprio Jesus (a cruz patíbulo). Mas Jesus também acolheu e integrou a “cruz patíbulo”, dando um sentido a ela e revelando sua máxima solidariedade com todos os crucificados da história. Por isso, na Cruz assumida, o Crucificado se faz amigo dos crucificados.

+ A oração de hoje nos mobiliza a acompanhar Jesus no seu caminho de fidelidade em direção ao Gólgota e sua morte na Cruz. 

+ Silenciar o corpo, a mente, o coração… através dos “preâmbulos”: oração preparatória, composição vendo o lugar, petição da graça…

+ Antes de “fazer o caminho” com Jesus até a Cruz, leia as indicações abaixo, como motivação para a experiência:

– Jesus foi aquele que não ficou indiferente diante da fome, da doença, da violência e da morte… Seu modo de ser, suas opções, sua liberdade diante da lei, da religião, do templo, seus encontros escandalosos com os pobres e excluídos…, desestabilizou tudo, pôs em crise as instituições e as pessoas encarregadas da religião. Jesus foi condenado como herege e subversivo, por elevar a voz contra os abusos do templo e do palácio, por colocar-se do lado dos perdedores, por ser amigo dos últimos, de todos os caídos. Tornou-se um perigo a ser eliminado.

– A primeira coisa que descobrimos ao contemplar o Crucificado do Gólgota, torturado injustamente até a morte pelo poder político-religioso, é a força destruidora do mal, a crueldade do ódio e o fanatismo da mentira. Precisamente aí, nessa vítima inocente, nós, seguidores de Jesus, vemos o Deus identificado com todas as vítimas de todos os tempos. Está na Cruz do Calvário e está em todas as cruzes onde sofrem e morrem os mais inocentes. 

É gratificante trazer à memória tantos homens e mulheres que são presença compassiva e, à maneira de Jesus, arriscam suas vidas em favor da vida; histórias silenciosas de tantas pessoas que, com seu compromisso, ajudam os outros a viver; pessoas que revelam a paixão por viver em pequenas paciências cotidianas, que entregam suas vidas no escondimento, sem vozes que as exaltem; elas são como o fermento silencioso que se dissolve na massa para fazê-la crescer.

– O evangelista João dá um destaque especial à presença das mulheres subindo o caminho do Calvário e permanecendo junto à Cruz de Jesus, solidárias com Aquele que era vítima da indiferença cruel.

Estão ali, precedendo-nos no caminho, e não dizem nada. É seu corpo, são seus gestos, suas mãos, seus olhos, seu silêncio… que falam por elas. A linguagem delas é a linguagem da amizade solidária. Se elas podem permanecer nessas circunstâncias, é porque amaram muito. Elas nos falam de resistência e de fidelidade, de uma presença comovedora. Estão juntas, expostas a outros olhares, como comunidade de discípulas em torno a seu Mestre, que lhes ensina, agora sem palavras, uma sabedoria muito maior.

– Em meio à impotência, elas não se afastam da dor experimentada ao ver sofrer a quem mais se ama, senão que se expõem ao olhar d’Aquele cujo rosto foi desfigurado. 

Sobem com Ele ao lugar do abandono e da ingratidão, levantando uma ponte de proximidade e de solidariedade que cruza a totalidade da vida de Jesus.

Elas acompanharam a vida de Jesus muito de perto, “à sombra”, e agora, a morte d’Ele lança uma forte luz sobre elas, tornando-as visíveis para que todos saibam quem são elas.

Elas têm a coragem de permanecer ali, acolhendo o acontecimento em toda sua crueldade e profundidade; elas “estão de pé”, enquanto outros desistiram ou se afastaram assustados. 

Isso foram as mulheres para com Jesus: companheiras, amigas, solidárias, compreensivas no sofrimento. E serão elas as primeiras a experimentar e anunciar a “Vida vestida de presença”, na manhã da Ressurreição.

– Através da contemplação, entre no caminho com Jesus, até o Calvário (cap 19 de João). Olhe as pessoas, escute o que elas dizem; observe as diferentes reações das pessoas: os soldados, as mulheres, Pilatos, a multidão… Basta estar presente, silenciosamente, deixando-se afetar pelas cenas e pelas atitudes das pessoas diante de Jesus, com a Cruz às costas.

– Depois da morte de Jesus, vá com Maria até a casa de João; alimente uma presença solidária junto à mãe que teve o seu Filho assassinado. Permaneça em silêncio.

– Faça memória de muitas mães que tiverem seus filhos mortos, vítimas de uma sociedade violenta e carregada de ódio.

– Finalize sua oração, rezando “Alma de Cristo”.

– Registre no caderno os apelos, moções… que brotaram da oração.

Padre Adroaldo Palaoro, SJ

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana (CEI).

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