Em 11 de fevereiro, comemora-se o Dia Mundial dos Enfermos. É um momento oportuno para refletir sobre o significado da dor para a espiritualidade cristã. Antes, é bom reforçar: nestes nossos tempos, o tabu já não é mais o sexo, mas a morte, a enfermidade, o luto e tudo o que vai contra o mundo cultuador de aparências. Assim, as limitações e finitudes dos outros estarão em bom lugar se afastadas dos olhos dos “sãos”.
No contexto cristão, contudo, a dor tem um sentido mais profundo. Diferentemente da sociedade do produzir, na qual o enfermo é tido como um peso, uma “peça defeituosa”, pelo olhar do cristianismo, aquele que sofre tem uma incumbência singular e, ao mesmo tempo, desafiadora.
Para entender um dos olhares cristãos sobre a dor, voltemos a uma célebre sexta-feira de quase dois mil anos atrás, em Jerusalém. Depois de passar por um dos julgamentos mais questionáveis da história, Jesus foi condenado a morrer na cruz. Segundo os evangelhos, durante o caminho do Messias ao Calvário, os soldados obrigaram um homem que voltava do campo a carregar o pesado madeiro, pois tinham receio de o Nazareno não ter condições de chegar ao fim do sinistro itinerário. Mesmo forçado, Simão, da cidade de Cirene, ajudou Cristo a cumprir a Via Dolorosa. Talvez por gratidão dos primeiros discípulos, aquele trabalhador teve o nome imortalizado na história da salvação (cf. Mt 27,32; Mc 15,21; Lc 23,26).
É possível fazer um paralelo entre o esforço do Cireneu e o dos doentes. Uma interpretação diz que os sofredores em geral, entre eles os enfermos, são associados à cruz de Cristo. Como Simão, que fez uma “caridade” sem querer, quem pena com a dor não escolhe passar por ela, mas forçosamente tem de cumprir essa tarefa. Numa perspectiva de fé, contudo, é reconhecido com amor por Deus, como o foi com o Cireneu. Poderíamos dizer que, nesse ponto de vista, o “dolente” (ou seja, quem sente dor) seria da “tropa de elite” divina, pois participa do sacrifício do Senhor em uma das horas mais importantes.
O legítimo discípulo, discípula de Jesus, no entanto, não é conformista com a dor. Já neste mundo, tenta antecipar, com o próprio testemunho, o esperado reinado de Deus. Na lógica da fé, não há dor no Paraíso. Por isso, quem procura seguir os ensinamentos de Jesus não admite sistemas de saúde precários, deficiência na prevenção, negacionismos e o descaso contra os enfermos e os profissionais que deles cuidam. Lutar em favor dos muitos crucificados e crucificadas é a outra forma de o cristianismo ver a dor.
Agir “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10) é uma legítima tarefa cristã. O próprio Cristo tinha grande apreço pelos padecentes, e não é difícil achar trechos dos evangelhos em que o Senhor cura, conforta, alivia a dor tanto física quanto espiritual e social. Ele é o próprio exemplo para seus seguidores, seguidoras fazerem multiplicar, desde hoje, a alegria eterna, numa terra sem males (pelo menos os evitáveis), sem se esquecer da dignidade dos que sofrem.
Alessandro Faleiro Marques
Diácono permanente na Arquidiocese de Belo Horizonte, professor, editor de textos para as irmãs missionárias servas do Espírito Santo, membro da Equipe de Espiritualidade da Província Brasil Norte das SSpS.