“Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral” é o tema do Sínodo para a Amazônia, que será realizado em outubro deste ano. Para compreender sua importância em vista de uma melhor atuação pastoral da Igreja na região e especialmente para os povos indígenas, iniciamos, a partir de agora, a publicação de uma série de artigos. Confira!
O convite do Papa Francisco aos bispos da Igreja pan-amazônica, com o objetivo de escutar os povos da floresta, foi precedido por gestos de diálogo, encontro e escuta dele mesmo.
Em sua visita apostólica ao Peru, no discurso de acolhida aos povos indígenas em Puerto Maldonado (DISCURSO do Papa Francisco em Puerto Maldonado, 2018), o Papa Francisco, referindo-se à atuação missionária da Igreja em meio aos povos indígenas, fez a seguinte observação: “Quem dera que se ouvisse o grito de Deus perguntando: Onde está o teu irmão?” (Gn 4,9). E concluiu que essa pergunta deve ressoar para toda a Igreja.
Nesse seu encontro com várias etnias indígenas, o Santo Padre ouviu os clamores desses povos que precisam de ajuda para continuar cuidando da natureza, pois tal missão tem sido muito árdua devido à destruição causada pela derrubada das florestas, mineração e as companhias petroleiras. Ele também agradeceu aos povos indígenas que, pela sabedoria e conhecimentos de suas culturas, puderam penetrar, por séculos, sem destruir o grande tesouro, os recursos naturais das florestas.
Nesse encontro, assim se dirigiu a eles (DISCURSO, 2018):
Nós, que não habitamos nestas terras, precisamos de vossa sabedoria e de vossos conhecimentos para podermos penetrar, sem o destruir, o tesouro que encerra esta região, ouvindo ressoar as palavras do Senhor a Moisés: “Tira as tuas sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é uma terra santa” (Ex 3,5).
Essas atitudes e gestos de Francisco fortalecem a caminhada de muitos movimentos indígenas para a revitalização de suas próprias culturas, na luta pelo reconhecimento de seus territórios, pela preservação de suas tradições e línguas. A conquistas de seus direitos foi fruto de uma grande mobilização internacional desde a década de 1970, da qual eles foram os protagonistas (PETRONI, 2013, p. 188).
As orientações pastorais do Papa Francisco serão assumidas dentro de um caminho da sinodalidade, conforme a Igreja esteja, de fato, disposta ao diálogo e à escuta. Ao convocar a Igreja presente na Região Pan-Amazônica para buscar novos caminhos de evangelização entre os povos da floresta com um rosto indígena, postulam-se novos paradigmas de missão: ouvir e reconhecer as histórias de fé e os saberes que vêm dos povos da periferia. São caminhos novos de evangelização que fortalecem a autonomia e o protagonismo dos povos originários da Pan-Amazônia. É uma evangelização solidária desses povos que vivem num contexto de profundas ameaças aos direitos fundamentais. Assim, a Igreja é chamada a viver, de forma solidária, suas lutas de revitalização de suas culturas, do direito de preservar seus idiomas, de organização social, de uma cosmovisão ecológica que garanta a sobrevivência de seus descendentes (REPAM, 2018, n. 24).
O convite para construir uma Igreja com rosto amazônico exige uma reflexão teológica fundamentada na espiritualidade e cosmovisão desses povos originários da Amazônia (REZENDE, 2013, p. 209). Reconhecer que, em suas histórias sagradas, também se encontram as sementes da Boa-Nova. Nesse sentido, o documento preparatório para o Sínodo na Região Pan-Amazônica afirma ser necessário ter uma “espiritualidade intercultural que nos ajude interagir com a diversidade dos povos e suas tradições” (REPAM, 2018, n. 86).
A espiritualidade dos povos originários dessa vasta área geográfica foi transmitida com sabedoria pelos líderes carismáticos, pelos sábios de seus povos, benzedores e muitos que contribuíram para a sustentação de suas culturas e de suas línguas. Tal espiritualidade tem os pés no chão, pois esses povos acreditam num Deus criador de tudo que existe na natureza, por isso ela tem, em si, uma força vital.
Esses povos acreditam na comunhão de vida da floresta, vida humana das várias etnias que se entrelaçam como se todos fossem parentes (ALMEIDA, 2005, p. 56). Essa comunhão sustenta a terra, a água, as plantas, os animais, os peixes, enfim tudo o que circunda a natureza são vidas dialogantes com os seres humanos.
O documento preparatório para o Sínodo dos Bispos, em vista da Assembleia Especial na Pan-Amazônia, que será realizada em 2019, oferece como instrumento de auxílio na tarefa que o precede um amplo questionário elaborado e enviado a todas as Igrejas particulares, a fim de estabelecer um diálogo com todas as suas bases. A comissão organizadora adotou o método ver, julgar e agir, mas sem dar respostas prontas, pois a sinodalidade envolve todos na busca de novos caminhos. O Sínodo está sendo preparado com os protagonistas e sujeitos da Igreja ameríndia.
Traçar novos caminhos à evangelização na Pan-Amazônia envolve o zelo pelos territórios, ecologia e culturas das comunidades locais. Portanto, já desde sua preparação, o Sínodo coloca todos os interlocutores na prática concreta da escuta recíproca. Esse exercício é fundamental para fortalecer as bases de uma Igreja sinodal e vencer as enormes distâncias geográficas, pastorais, sociais e culturais.
É o sínodo da aproximação, do encontro, do diálogo e da escuta de uma Igreja universal que acredita que a periferia tem algo importante a dizer, a partilhar, enriquecer e a ensinar, sobretudo no cuidado da casa comum e da ecologia integral.
Trecho extraído e adaptado do artigo “A escuta e o diálogo com as tradições sagradas do povo ticuna: um testemunho de evangelização na Amazônia”, da autoria da Ir. Izabel Patuzzo e de Boris Augustein Nef Ulloa, publicado na “Revista Caminhos”, Goiânia, v. 17, n. 1, p. 96-108, jan./jun. 2019.
Irmã Izabel Patuzzo, missionária da Imaculada (PIME), faz parte da equipe de professores do Curso de Formação Teológica e Missionária para Leigos do Centro Missionário Cultural Santíssima Trindade, em São Paulo-SP.