É outubro outra vez, o famoso Mês das Crianças.
Nas tristes lembranças, os tiros que atingiram crianças ainda no ventre materno, as supostas “balas perdidas” nas comunidades, a estupidez no trânsito, o extermínio, o “desaparecimento”, a violência sexual, a violência doméstica, as drogas e o tráfico, os afogamentos, os sufocamentos, as agressões, as queimaduras, as vítimas da covid-19, enfim, um sem-fim de motivos.
Nas doces lembranças, a alegria, as dancinhas, a espontaneidade, as conquistas motoras do dia a dia, as encantadoras perguntas e respostas no cotidiano, os segredos, as amizades, as músicas, as brincadeiras, a fantasia, as letras e números ganhando sentido, os desenhos e garatujas, as telas, os áudios, os vídeos, os gritos, os choros, as cólicas, as febres, as espinhas, os primeiros amores, a simplicidade complexa do cuidar, enfim, um sem-fim de registros de afeto e zelo.
Das lembranças que se misturam e brotam em nós, lágrimas e sorrisos, uma certeza: crianças e adolescentes precisam de proteção integral para usufruir e fruir a infância e juventude, pois estão na peculiar condição de pessoas humanas em desenvolvimento.
Aos olhos de uma criança de 6 anos que cunhou a expressão “desinteligente” numa banal cena do cotidiano, envolvendo uma ingênua crítica à conduta de um adulto a seu redor, um aprendizado para a vida.
Em contraponto à infância e à adolescência como fase de formação e desenvolvimento, temos os adultos, aos quais cabe zelar, cuidar, oportunizar, proteger e, acima de tudo, ser porta-vozes de condutas e escolhas inteligentes que mudam o mundo.
Diria que temos um “trio de adultos” dos quais se espera sabedoria e inteligência: o ESTADO, a FAMÍLIA e a SOCIEDADE em geral.
A esse trio de adultos, um recado na potente voz de uma criança: “Não sejam desinteligentes”.
O Estado precisa garantir, em qualidade e quantidade, as políticas públicas que garantam acesso e oportunidade de pleno desenvolvimento a todas as crianças e os adolescentes na complexidade do que é traduzir direitos na prática. Não seja “desinteligente”.
A família, em sua multiplicidade de arranjos, precisa ser ambiente fértil e protetivo para dar conta dessa missão de proteção em sua dimensão cotidiana. Não seja “desinteligente”.
A sociedade, como um todo, deve ser vigilante com relação ao dever de prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente, reagindo a toda forma de desproteção. Sociedade, não seja “desinteligente”.
Este mês de outubro, quando celebramos a vida das nossas crianças, seja tempo para que esse “trio de adultos” possa olhar ao redor e para dentro para (re)ver e ter dimensão do alcance formativo e protetivo de nossas escolhas e decisões “inteligentes”, seja na dimensão cotidiana, seja na complexa dimensão social, política, econômica, cultural.
Não sejamos “desinteligentes”!
(Qualquer semelhança com os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente não é mera coincidência.)
Maria José Brant (Deka), assistente social, analista de políticas públicas na Prefeitura de Belo Horizonte-MG, mestra em Gestão Social, mosaicista nas horas vagas.