Quando criança, meus pais não tinham o hábito de contar histórias de “Chapeuzinho Vermelho” ou “A Bela Adormecida” para eu dormir. Tampouco me compravam livros ou me levavam a bibliotecas… Entretanto assistimos a muitas peças teatrais, o que sempre me fascinava. Quando fui para a escola, onde existia uma biblioteca, por curiosidade, perguntei à moça responsável se havia um livro sobre a primeira peça que vi, “A Bonequinha Preta”, de Alaíde Lisboa. O livro estava disponível para empréstimo, e foi assim que essa peça teatral despertou em mim o gosto pela leitura. A biblioteca passou a ser meu lugar preferido na escola e, posteriormente, meu lugar predileto no mundo.
Quando me formei no ensino médio, tive a certeza de que queria ser psicóloga, porém, durante o cursinho para o vestibular, os professores de Língua Portuguesa, Literatura e História me apresentaram um curso que eu pouco conhecia, o de Biblioteconomia. A partir daí, já não tive mais aquela certeza. Então… troquei minha primeira opção de curso para Biblioteconomia. Passei no vestibular e, em 2011, iniciei a graduação.
A graduação me trouxe novas perspectivas e percepções, mas a maior delas foi a descoberta de uma nova paixão: a área de Educação e, oportunamente, a “contação” de histórias.
Durante toda a graduação, eu visei à especialização em bibliotecas escolares. Assim que me formei, fui trabalhar como bibliotecária num hospital, em Belo Horizonte-MG. O sonho de trabalhar em uma escola foi adiado. Ficou aguardando por mais três anos, adormecido… Mas foi despertado em 2018, quando iniciei minha carreira no Colégio Sagrado Coração de Jesus.
A oportunidade de trabalhar no Colégio Sagrado Coração de Jesus abriu-me várias portas, inclusive a possibilidade de, finalmente, fazer meu curso de “contação” de história. No Colégio, a “contação” de histórias é algo muito forte e valorizado. Isso ocorre porque acreditamos que contar histórias é o maior incentivo à leitura que podemos dar às crianças, do infantil ao último ano das séries iniciais do fundamental I.
Quando me vi diante desse cenário, percebi que precisava urgentemente de um curso, para eu aprender técnicas que transmitissem essas histórias de uma forma encantadora, que pudessem realmente tocar as crianças. As histórias são algo que nos transforma. Ouvir histórias é bom demais; contá-las é melhor ainda. A primeira história que narrei foi “A bofetada”, um conto africano. Lembro-me da expectativa e da emoção quando terminei.
Posso relembrar vários momentos que me marcaram: o livro “A sopa de pedra”, pelo qual eu contei a história de um personagem conhecido do mundo adulto, mas, dessa vez, ele era uma criança, Pedro Malazartes. Outro momento muito interessante foi quando precisava contar na “Semana sem Fronteira”. Alguns dias antes, tive uma laringite e fiquei afônica. No dia, como um milagre, a voz voltou forte e, somente durante a “contação” de história, para depois sumir novamente. Essa apresentação foi realizada para os alunos do 2º ano do ensino fundamental. Eles contaram algumas partes comigo e fizeram a sonorização. O momento foi emocionante.
Em minhas “contações” no colégio, sempre canto uma música antes de começar as histórias e uso um avental. A esse conjunto de preparação chamamos preâmbulo, para as crianças entrarem no clima. Depois conto a história e então deixo que elas também contem suas histórias. É lindo observar as crianças cantarem a música e, posteriormente, contarem a história da maneira deles.
Guiomar Dantas (2019, p. 66) afirma que mediar leitura “é, sobretudo, contagiar filhos, sobrinhos, afilhados, alunos, amigos ou o público para o qual faz mediação com o vírus da leitura que, por sua vez, propaga no corpo e na mente um vício incurável: o amor pelos livros e pelas histórias”. E é exatamente com essa perspectiva que me preparo para os momentos de “contação”. Gosto de provocar emoções que tocam o coração e incentivam cada vez mais a busca por leitura e literatura. E assim, a cada história, vamos criando e recriando o famoso “felizes para sempre”.
DANTAS, Guiomar. A arte de criar leitores: reflexões e dicas para uma mediação eficaz. São Paulo: Senac, 2019. 279 p.
Raissa Cirilo, bibliotecária do Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Belo Horizonte-MG, contadora de histórias e autora do capítulo “A hora do canto como recurso de mediação de leitura na biblioteca escolar e disseminação da cultura afro-brasileira”, disponível no livro “Mulheres negras na Biblioteconomia”.