Márcia Maria de Oliveira é socióloga e professora. Tem um amplo currículo tanto na área acadêmica quanto pastoral. É um desafio resumi-lo, mas se pode destacar que ela tem pós-doutorado em Sociedade e Fronteira (UFRR), é mestra em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM) e em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva, Espanha). Além disso, Márcia é pesquisadora em diversos campos das ciências sociais e professora na Universidade Federal de Roraima.
No campo pastoral, também desenvolve várias ações. Márcia é assessora do serviço à Pastoral dos Migrantes, da Rede Eclesial Pan-amazônica (Repam), da Cáritas Brasileira e da Escola de Fé e Política Dom Hélder Câmara (Cefep), esta ligada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Em entrevista concedida à Vivat International Brasil, organismo intercongregacional de defesa dos direitos humanos e do cuidado da Criação, ela fala dos principais desafios econômicos, políticos e sociais que o Brasil enfrenta hoje. Partilha ainda sobre como a Igreja (de modo especial, a vida religiosa) pode contribuir para uma sociedade de justiça e de paz, num cenário politicamente conturbado.
Vivat Internacional Brasil (VIB): Como as congregações religiosas podem assumir as ações de JPIC (justiça, paz e integridade da Criação)?
Dr.ª Márcia Maria de Oliveira: Primeiro, conhecer o que é JPIC (justiça, paz e integridade da Criação) e o seu alcance. Reconhecer os níveis nacional e internacional – vinculados à ONU (JCOR – Coalizão das Religiosas e Religiosos das Nações Unidas pela Justiça; Vivat International Brasil), para articular os organismos que defendem a justiça e a paz. Chegar à vinculação internacional, dar visibilidade ao que acontece nos territórios. Dar ênfase àquilo que os governos não estão atentos ou não querem se envolver, ou ainda são omissos por questões políticas. O papel da vida religiosa é tencionar as instituições para que assumam suas funções na defesa da vida e dos direitos humanos. Outro ponto é trabalhar em rede, articular a vida religiosa, somar forças, e, ao mesmo tempo, atuar na dimensão intercongregacional. As dimensões sociopolíticas, de incidência/advocacy exigem postura firme em defesa da justiça para os excluídos e para toda criação. Reiteramos a sintonia com a Igreja, com a Carta Encíclica Laudato si’, e aos princípios da ecologia integral. Isto é, defender e integrar todas as formas legítimas de vida. As congregações têm o desafio de compreender a importância da dimensão evangélica, social e política, de forma coletiva.
“O papel da vida religiosa é tencionar as instituições para que assumam suas funções na defesa da vida e dos direitos humanos.”
VIB: Qual é o principal entrave para o atual governo assumir as pautas sociais?
Dr.ª Márcia: O principal entrave desse atual governo é não ter nenhum apoio do Congresso e do Parlamento. Temos um dos piores cenários, talvez, da história. E isso faz com que o governo fique engessado por mais que haja um projeto de enfrentamento das mazelas sociais. O governo não consegue dar passos concretos. Pois a maioria das decisões passa pelo Congresso e Senado. No âmbito Judiciário, o governo até encontra um determinado apoio. Mas a questão da terra e dos povos indígenas esbarram no Parlamento. Quando se consegue dialogar com o governo é pela pressão popular. Daí a importância, também, da pressão internacional. O caminho é pressionar e sensibilizar pela ameaça que nossas estratégias resultam. Por isso, não é hora de se acomodar.
VIB: Qual é o posicionamento da sociedade e da Igreja frente ao avanço da extrema-direita?
Dr.ª Márcia: O que acontece na esfera política é o reflexo do que está dentro da sociedade e da Igreja. Não dá para separar essas instâncias. O que vem acontecendo, em nível nacional e internacional, é uma grande aliança da extrema-direita com setores da sociedade que têm interesses comuns. Nesse caso, o acirramento do capitalismo se encrudesce, no sentido de cuidar dos seus interesses; o que gera mais desigualdade. Para se ter um grupo menor de ricos, é necessário um grupo maior de pobres. Mas boa parte da sociedade acha que essa aliança vai favorecê-la também. Os setores capitalistas não vão dividir o lucro. Se um agricultor familiar faz aliança com a agroecologia, esperando recompensa, não alcançará resultado. A extrema-direita neocolonialista “coisifica” as pessoas. É preciso muita formação para entender esse processo.
“Quando se consegue dialogar com o governo é pela pressão popular.”
VIB: Os canais tecnológicos e de mídia contribuem para que tipo de manipulação da sociedade?
Dr.ª Márcia: A manipulação objetiva a defesa dos interesses de determinados grupos. A extrema-direita tem força e experiência histórica nisso. Não é de repente que acontece esse processo. A Sociologia preconiza que os setores dominantes se aliançam para ficarem fortes e poderosos. Também, os territórios e instituições deveriam fazer: unir forças. Precisamos identificar quais são as forças das instituições religiosas, dos organismos e movimentos sociais que defendem os pobres. Caminhemos para formar alianças, organizar redes e nos fortalecer coletivamente. Sempre respeitando as diferenças de cada grupo, mas somando forças num projeto comum para o enfrentamento das grandes alianças da extrema-direita. Não queremos a exclusão nem a separação. Lutemos pelo bem-viver.
Com informações do Boletim Vivat International Brasil