Solenidade da Epifania do Senhor

“Ajoelharam-se diante dele e lhe prestaram homenagem”
Mateus 2,1-12

Hoje, no Brasil, celebramos uma das grandes festas do Ciclo de Natal: a Manifestação do Senhor (Epifania, em grego), cuja data tradicionalmente era 6 de janeiro. Comemoramos o fato de que Jesus foi manifestado não somente a seu próprio povo, mas a todos, representados pelos magos do Oriente. Embora a festa tenha muita popularidade folclórica, ela celebra uma grande verdade da fé: que a salvação em Jesus é para todos os povos, sem distinção de raça, cor ou tradição religiosa. Retomando a grande intuição do profeta Isaías, celebramos hoje a salvação universal em Jesus.

O texto de hoje é altamente simbólico. Usa uma técnica da literatura judaica chamada midrash, ou seja, uma releitura de passagens bíblicas, com o intuito de atualizá-las. Assim, usando figuras e símbolos tirados de diversos textos do Antigo Testamento, Mateus quer ensinar algo sobre Jesus. Por exemplo: vêm os magos (nem três, nem reis no texto bíblico!) buscando o Rei dos Judeus. Esses magos lembram os magos que enfrentavam e foram derrotados por Moisés (Êxodo 7,11.22; 8,3.14-15; 9,11) e acabaram reconhecendo o poder de Deus nas maravilhas feitas por ele. Os magos, no relato antigo, contestaram Moisés, mas, no relato mateano, vêm adorar Jesus, pois, para Mateus, Jesus é o Novo Moisés e maior do que Moisés. A estrela é sinal da vinda do Messias, prevista na profecia de Balaão (a “Estrela de Jacó” de Números 24,17). O menino nasce em Belém, segundo a profecia de Miqueias (5,1). Os presentes lembram as profecias de Segundo Isaías e os Salmos sobre os estrangeiros que iriam a Jerusalém levando presentes para Deus (Isaías 49,23; 60,5; Salmo 72,10-11). Herodes é o novo Faraó, que também massacra os filhos do povo de Deus (Êxodo 1,8.16).

O texto chama a atenção pelas reações diferentes diante do acontecido. Os que deveriam reconhecer o Messias (pois são versados nas Escrituras) ficam alarmados, pois, para eles, opressores do povo por meio da religião e da política, Jesus e sua mensagem constituem uma ameaça. Outros, pagãos do Oriente, buscando sem ter certeza, arriscam muito para descobrir o verdadeiro Deus e entregam-lhe presentes, sinais da partilha que será característica do Reino que Jesus veio pregar.

Hoje em dia, verificam-se as mesmas reações diante de Jesus e de seu Evangelho. Muitos querem reduzir os eventos religiosos a algo folclórico, com shows e cantos, como se vê claramente nas festas natalinas, quando até bancos, que desfrutam de lucros astronômicos e imorais, esteios que são do sistema neoliberal, que cria pobreza em toda parte, promovem apresentações sentimentais de Natal, usando os mesmos pobres que eles ajudam a criar. De forma alguma, esse tipo de celebração questiona nossa sociedade e seus valores. Para outros, o Menino na estrebaria é um sinal do novo projeto de Deus, o mundo fraterno, onde todas as pessoas de boa vontade devem se unir, seja qual for sua raça, nação, gênero ou religião, para construir a fraternidade que Deus quer.

Jesus não precisa de presentes, mas sim de nosso esforço na vivência do Reino de Deus. Não caiamos em celebração vazia das histórias do ciclo natalino, reduzindo seu sentido a algo somente sentimental e folclórico. Na prática, temos de optar ou para uma vivência religiosa vazia, como a de Herodes e dos sumos sacerdotes, ou pela mensagem libertadora e salvadora do Menino de Belém, que convoca todos, representados pelos magos, para a construção de um mundo de paz, fraternidade e justiça, pois Jesus veio para que “todos tenham a vida e a tenham plenamente” (João 10,10).

Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.Pe. Tomaz Hughes, SVD

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