“Vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos”
Mateus 28,16-20
Hoje celebramos o mistério insondável de Deus: a Santíssima Trindade. Durante os primeiros séculos de sua existência, a Igreja lutou com dificuldade para expressar em palavras o inexprimível: a natureza do Deus no qual acreditamos. Chegou à expressão profunda do Credo Niceno-Constantinopolitano, no qual celebra o Pai “Criador de todas as coisas”, o Filho “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai”, e o Espírito que “dá a vida e procede do Pai e do Filho”. Mas mesmo essas expressões tão profundas não conseguem explicar a Trindade, pois, se Deus fosse compreensível à mente humana, não seria Deus.
Dentro das limitações da linguagem humana, tentamos expressar o mistério da Trindade como “três pessoas numa única natureza”. Mas, mais importante do que encontrar fórmulas filosóficas ou teológicas abstratas para expressar o que, no fundo, não é possível definir, é descobrir o que a doutrina da Trindade pode nos ensinar para a nossa vida cristã. Talvez o livro de Gênesis possa nos ajudar. Lá se diz que Deus “criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus Ele o criou; e os criou homem e mulher” (Gênesis 1,28). Se fomos criados à imagem e semelhança de Deus, é de um Deus que é Trindade, que é comunidade, unidade perfeita na diversidade.
Assim só podemos ser pessoas realizadas desde que vivamos comunitariamente. Quem vive só para si está destinado à frustração e infelicidade, pois está negando a própria natureza. O egoísmo é a negação de quem somos, pois nos fecha sobre nós mesmos, visto que fomos criados à imagem de um Deus que é o contrário do individualismo, pois é Trinitário. No mundo pós-moderno, onde o individualismo social, econômico e religioso é tido como critério fundamental da vida, a doutrina da Trindade nos desafia para que vivamos nossa vocação comunitária, criando uma sociedade de partilha, solidariedade e justiça, no respeito do diferente do outro, pois fomos criados à imagem e semelhança desse Deus que é amor e comunhão.
O texto evangélico nos faz lembrar que somos continuadores da missão da Trindade encarnada em Jesus de Nazaré, a de testemunhar o Reino de Deus, vivendo em comunidade o projeto de Jesus, o missionário do Pai, que nos congregou na Igreja pela ação do Espírito Santo. Conforme criarmos comunidades alternativas de solidariedade, fraternidade, justiça e paz, estaremos vivendo na imagem e semelhança do Deus Uno e Trino, comunidade e comunhão perfeita, que nos convida a participar da sua própria vida.
A festa de hoje não é de um mistério matemático (como se fosse possível explicar “três em um”), mas do mistério do amor de Deus, que nos criou para que vivêssemos comunitariamente à sua imagem e semelhança. É, portanto, ao mesmo tempo, celebração e desafio, para que tornemos cada vez mais concreto o projeto de Deus para toda a humanidade, no caminho do discipulado de Jesus.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.