“O Espírito não falará em seu próprio nome”
João 16,12-15
Hoje celebramos o mistério insondável de Deus, a Santíssima Trindade. Durante os primeiros séculos de sua existência, a Igreja tinha dificuldade para expressar em palavras o inexprimível: a natureza do Deus em que acreditamos. Chegou à expressão belíssima do Credo Niceno-Constantinopolitano, tão pouco usado nas celebrações de hoje, o qual celebra o Pai “criador de todas as coisas”; o Filho, “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado’; e o Espírito que “dá a vida e procede do Pai e do Filho”. Mas, mesmo essas expressões tão profundas não conseguem explicar a Trindade, pois, se Deus fosse compreensível à mente humana, não seria Deus.
O Quarto Evangelho nos traz formulações muito bonitas referentes à Trindade, especialmente no último discurso de Jesus. Nesses capítulos (13 a 17), Ele é representado como o Paráclito, uma palavra grega que significa, em nossa linguagem, o Advogado da Defesa. Em diversos textos, João expressa a função do Espírito dentro da comunidade pós-ressurrecional. No capítulo 16, de onde se tira o texto de hoje, existe um trecho trinitário: os versículos 13 a 15 se referem ao Espírito; os versículos 16 a 22, a Jesus; os versículos 23 a 27, ao Pai.
No texto de hoje, é enfatizada a função do Espírito de ensinar. Como no capítulo 14, num texto paralelo, esse ensinamento não trará nada de novo. Jesus já recebeu tudo do Pai, e o Paráclito recebe tudo de Jesus. Mas o ensinamento dele vai fazer com que os discípulos compreendam melhor o que significa o ensinamento que receberam de Jesus. Vai fazer com que eles “recordem” suas palavras e, assim, consigam colocá-las em prática. O termo “verdade” que se usa nesse trecho tem o mesmo sentido de outros textos do Quarto Evangelho, isto é, a fé em Jesus como a revelação de Deus e quem fala as palavras de Deus (João 3,20.33; 8,40.47).
Dentro das limitações da linguagem humana, tentamos expressar o mistério da Trindade como “três pessoas em uma única natureza”. Mais importante do que encontrar fórmulas abstratas para expressar o que, no fundo, é inexprimível é descobrir o que a doutrina da Trindade pode nos ensinar para nossa vida cristã. Talvez o livro de Gênesis possa nos ajudar. Lá se diz que Deus “criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus Ele o criou; e os criou homem e mulher” (Gênesis 1,28).
Se somos criados na imagem e semelhança de Deus, é de um Deus que é Trindade, que é comunidade perfeita, na diversidade. Assim, só podemos ser pessoas realizadas conforme vivemos comunitariamente. Quem vive só para si é destinado à frustração e à infelicidade, pois está negando sua própria natureza. O egoísmo é a negação de quem somos, pois nos fecha sobre nós mesmos, enquanto fomos criados na imagem de um Deus que é o contrário do individualismo, pois é Trindade.
No mundo pós-moderno, onde o individualismo social, econômico e religioso é tido como critério fundamental da vida, a doutrina da Trindade nos desafia para que vivamos nossa vocação comunitária, criando uma sociedade de partilha, solidariedade e justiça, no respeito do diferente do outro, pois fomos criados na imagem e semelhança desse Deus que é amor e comunhão. A festa de hoje não é de um mistério “matemático” (como pode ter três em um?), mas do mistério do amor de Deus, que nos criou para que vivêssemos comunitariamente na sua imagem e semelhança.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.