“Fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa nos céus”
Mt 5,1-12
Esses primeiros versículos de capítulo 5 servem, ao mesmo tempo, como introdução e como resumo do Sermão da Montanha. Apresentam-nos um retrato das qualidades do verdadeiro discípulo, discípula, daquele que, no seguimento de Jesus, procura viver os valores do Reino de Deus. Basta uma leitura superficial para ver que a proposta de Jesus está na contramão da proposta da sociedade vigente, tanto a do tempo de Jesus como de hoje. Embora de uma forma menos contundente do que Lucas (Lc 6,20-26), o texto de Mateus deixa claro que o seguimento de Jesus exige uma mudança radical em nossa maneira de pensar e viver.
Um primeiro elemento que chama a atenção é o fato de que a primeira e a última bem-aventurança estão com o verbo no tempo presente (o Reino “já é” dos pobres em espírito e dos perseguidos por causa da justiça), na verdade, as mesmas pessoas, pois os que buscam a justiça verdadeira são “pobres em espírito”. Eles já vivem a dependência total de Deus, pois só com ele esses valores podem vigorar. Mas quem luta pela justiça será perseguido, e quem não se empenha nessa luta jamais poderá ser “pobre em espírito”.
As outras bem-aventuranças traçam as características de quem é pobre em espírito. É aflito por causa das injustiças e do sofrimento dos outros, causados por uma sociedade materialista e consumista. Podemos lembrar os sentimentos expressados pelo Papa Francisco na ocasião do naufrágio do barco carregando 500 refugiados da África, perto da Ilha de Lampedusa, na Itália. Em Assis, ele falou que sentiu uma sensação de “vergonha” diante da situação que não era somente daquele grupo, mas de milhões de nossos irmãos e irmãs.
É manso, não no sentido de passivo, mas porque não é movido pelo ódio e violência que marcam a ganância e a truculência dos que dominam, “amansando” os pobres e fracos.
Tem fome da justiça do Reino, não a dos homens, que tantas vezes não passa de uma legitimação oficial da exploração e privilégio. Tem coração compassivo, como o próprio Pai do Céu, e é “puro de coração”, sem ídolos e falsos valores. Promove a paz, não “a paz que o mundo dá” (Jo 14,27), mas o shalom, a paz que nasce do projeto de Deus, quando existe a justiça do Reino.
Mas Jesus deixa clara a consequência de assumir esse projeto de vida: a perseguição. Pois um sistema baseado em valores antievangélicos não pode aguentar quem o contesta e questiona, algo que a história dos mártires de nosso continente testemunha muito bem. Qualquer igreja cristã que é bem-aceita e elogiada pelo sistema hegemônico precisa se questionar sobre a sua fidelidade à vivência das bem-aventuranças do Sermão da Montanha. O martírio (= testemunho, na língua grega) é pedra de toque dessa fidelidade.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.Pe. Tomaz Hughes, SVD