Solidários sempre!

Solidariedade é a palavra do momento, diante da tragédia que se abate sobre o Rio Grande do Sul. De todo o Brasil, têm-se visto gestos de solidariedade que se manifestam em doações de todo tipo, desde água, alimentos, roupas e outros. São todos gestos edificantes que emocionam. É o coração solidário que se manifesta com o desejo de minimizar o sofrimento alheio, daqueles que perderam tudo ou quase tudo. 

Podemos pensar que a solidariedade é a manifestação do coração humano mais autêntica, porque expressa aquilo que brota do amor desinteressado e altruísta. As doações são feitas por anônimos, gente que foi ao mercado, comprou algo para doar e levou ao lugar onde recolhem as doações. Os doadores pertencem a todas as classes sociais. Gente de diferentes raças e cores, pessoas cultas ou analfabetas, torcedores de todos os times, trabalhadores de todos os serviços. Nesses gestos de solidariedade, esquece-se dos preconceitos, das diferenças religiosas, daquilo que distancia, no dia a dia, a convivência harmônica. A solidariedade é capaz de unir todos por uma causa comum: ajudar o próximo.

Diante disso, cabem talvez algumas reflexões. Uma delas é uma pergunta: por que, em situações assim, de calamidade, as pessoas se tornam sensíveis e capazes de serem solidárias? Certamente há muitas explicações, mas quero me ater a umas poucas. 

Em primeiro lugar, nesses gestos, vejo expressões da verdadeira humanidade, aquela que deixa seus interesses particulares para atender às necessidades de outros humanos que não conhecem nem têm relação de parentesco, para expressar sua compaixão com aquele que sofre. Esses gestos traduzem aquilo que está no mais íntimo de cada um, o reconhecimento de que dependemos uns dos outros. Não é à toa que o Evangelho recomenda: “Amai-vos uns aos outros”. O amor verdadeiro se traduz em ações concretas. 

Podemos pensar também que, nesses gestos de solidariedade, está o desejo genuíno, presente no coração de cada um, que não quer a divisão, não quer a ganância, não quer a falta de condições dignas para as pessoas; que deseja, sim, um mundo mais humano, com bens mais bem compartilhados. Quem é solidário, aquilo que dá não lhe empobrece, mas torna sua vida mais leve, e sente-se feliz. Sente-se feliz porque deu algo de si naquilo que lhe pertencia. Bem dizia São Francisco em sua oração, “É dando que se recebe”. Não são bens materiais que se recebem em troca, mas é em paz de espírito e de alegria.

Vimos não só pessoas doando bens, mas muitas se doando em prestação de ajuda nos resgates dos ilhados, em socorro dos desabrigados, em auxílio aos doentes, idosos e fragilizados. Vimos a união de forças para fazer frente a todos os desafios que a situação gerou. Ninguém de bom senso fica indiferente, apesar de, lamentavelmente, vemos uns poucos se aproveitando da desgraça alheia. Uns que aproveitam para saquear, roubar… Estes perderam sua humanidade, tornaram-se exemplo daquilo que há de mais perverso no coração humano: a maldade. Graças a Deus, estes são uma minoria, mas amostra do que é a falta de solidariedade. Somos esperançosos, porque o que vimos na maioria, incontáveis pessoas solidárias.

Outra pergunta que me ocorre diante dessa calamidade: por que o sofrimento nos torna solidários? Penso que o sofrimento é expressão daquilo que ameaça a vida. Ele faz parte de nosso dia a dia, contudo, quando ele ultrapassa o razoável e transparece em forma exorbitante, ele nos lembra de nossa condição humana, cuja experiência nos diz: sofrer é dor que não queremos; sofrer nos põe na condição de mendicantes, necessitados de ajuda; sentimo-nos “samaritanos caídos à beira do caminho”; sofrer nos coloca diante de nossos limites; sofrer traz questões existenciais; sofrer é também busca por sentido. Diante disso, o sofrimento encontra saídas e esperança quando vê a solidariedade vir a seu encontro. Ela nos lembra de que há “samaritanos” que são capazes de deixar suas prioridades para se aproximar e socorrer. Recorda-nos também que não estamos sozinhos nas lutas diárias.

Bendita a solidariedade que ainda existe no coração humano, mesmo que não seja a prática diária, o que seria desejável, porque ela mostra que, apesar de tudo o que a contradiz na convivência humana, ainda temos esperança. Ela fica escondida ou guardada no coração das pessoas. Por isso podemos confiar no futuro, mesmo quando existam tantos desafios a enfrentar e realidades a reconstruir. 

Para concluir, gostaria apenas de lembrar que nossa capacidade de ser solidário encontra sua expressão máxima em Jesus, que não só nos ensinou a amar como Ele amou, mas também mostrou sua solidariedade, expondo-se ao sofrimento da cruz. Lá ficou como um sinal permanente, mostrando-nos o caminho da solidariedade.

Se os fatos trágicos que hoje vemos no Rio Grande do Sul nos despertaram a solidariedade, vejamos nisso, apesar de tudo, um resgate daquilo que em nós nunca deveria adormecer. 

Cultivemos a solidariedade para que ela seja nossa marca humana, que não ignora o sofrimento alheio, seja em tempo de calamidade ou em tempo de bonança.

Solidários sempre!

 

Padre Deolino Pedro Baldissera, SDS

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