Terra, vida e o extraordinário de nossa própria existência

A existência do planeta, assim como a nossa, é extraordinária. Se apenas uma das variáveis que sustentam o equilíbrio do sistema Terra entrasse em colapso, a vida, como a conhecemos, não existiria. O maravilhamento é ainda maior quando consideramos que o planeta orbita em torno do Sol e que o Sistema Solar do qual fazemos parte viaja em torno da Via Láctea.

Enquanto o globo gira pelo Universo, dedicamos nossos dias a acumular sem compartilhar, numa sociedade que, por cobiça, flerta com o desequilíbrio do sistema e das condições de vida. Só tardiamente, na metade do século XX, com a evidente degradação do planeta e dos consequentes riscos para nossa espécie, começamos a reconhecer nossa pegada ecológica sobre o planeta.

Rachel Carson fez do meio ambiente e da interconexão com a vida seu tema de literatura. Publicada entre 1941 e 1962, a talentosa escritora é creditada como uma das raízes do movimento ambientalista. Seus primeiros títulos Sob mar-vento e Mar que nos cerca, com graça, traduzem para leigos o conhecimento produzido por cientistas. Primavera silenciosa, seu último livro, mantém a escrita elegante, mas denuncia a destruição e os riscos decorrentes da imprudente ação humana sobre o solo, o ar, o mar e a vida ali abrigada.

Na década de 1970, o surgimento de organismos e movimentos mundiais pela defesa do planeta foi mais expressivo. James Lovelock, uma das referências de Leonardo Boff para a ética do cuidado com a Mãe Terra, idealizou a teoria de Gaia, concebendo o planeta como um organismo vivo e autorregulador. Ao apresentar sua teoria, Lovelock recorreu às imagens espaciais que retratavam o globo azul flutuando na imensidão do Universo, revelando uma fragilidade que também é nossa. Na mesma década, a criatividade a serviço do mercado e dos processos industriais sofreu duras críticas por Victor Papanek, defensor de tecnologias de projeto atentas aos desafios ambientais e sociais.

O tom crítico também está nas imagens em preto e branco do economista e fotógrafo Sebastião Salgado, que, com sua companheira e produtora Lélia Wanick Salgado, deu à luz o projeto mais consagrado: Êxodos. Entre as imagens, estava a mina de Serra Pelada, mostrando a ocupação humana à semelhança de um formigueiro mobilizado pelo ouro. Adoecido pelo registro da crise ecológica e da desigualdade humana, Salgado buscou restabelecimento fotografando a natureza e comunidades humanas em recantos intocados da Terra. A esse projeto nomeou Gênesis.

Os livros bíblicos Gênesis e Êxodo, os projetos de Salgado, assim como as ideias dos ambientalistas entrelaçadas no texto, desvendam a fragilidade da vida e o quanto ela é dependente do planeta, das criaturas, da relação de carestia e fartura, e das condições climáticas. Comparando nosso tempo de vida com a duração da existência do Universo e da Terra, nossa passagem é efêmera: um piscar de olhos! Mas, a partir de um olhar de espiritualidade e solidariedade para além de nossa individualidade, somos um dos elos entre os que vieram antes e virão depois de nós. Tal consciência nos leva a uma decisão: aqui, na Terra, queremos existir apenas o tempo que nos foi concedido individualmente ou ter em perspectiva a pluralidade e as futuras gerações? Honrar condições de vida para quem vem depois de nós também é uma forma de escolher a eternidade e compreender o clamor da Terra.
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Referências
BOFF, Leonardo. O cuidado necessário. Petrópolis: Vozes, 2012.

CARSON, Rachel. O mar que nos cerca. São Paulo: Gaia, 2013a.

CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. São Paulo: Gaia, 2013b.

CARSON, Rachel. Sob o mar-vento. São Paulo: Gaia, 2013c.

GÊNESIS. In: Bíblia sagrada. Revisada por Frei José Pedreira de Castro. São Paulo: Ave-Maria. p. 49-50.

GEOGRAFIA E ENSINO DE GEOGRAFIA. Lisboa. Disponível em: https://www.geografia-ensino.com/. Acesso em: 27 mar. 2023.

LOVELOCK, J. Gaia: a new look at life on Earth. Oxford: Oxford University Press, 1979.

OS OBJETIVOS LAUDATO SI’. Disponível em: https://plataformadeacaolaudatosi.org/objetivos-laudato-si/. Acesso em: 27 mar. 2023.

PAPANEK, V. Designing for the real word: human ecology and social change. Chicago: The University of Chicago Press, 1971.

PAPANEK, V. The green imperative: ecology and ethics in design and architecture. London: Thames and Hudson, 1995.

SALGADO, S. Sebastião Salgado quase desistiu da fotografia depois do projeto Êxodos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1coxzr_gdQ8

Marli Teresinha Everling
Professora nos cursos de Graduação e Pós-graduação em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille), coordenadora do Projeto Ethos – Design e Relações de Uso em Contexto de Crise Ecológica, colaboradora do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental.

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