Uma pequena maleta é suficiente

Ao ler um texto que publiquei, uma pessoa reagiu com um comentário que dizia no contexto, “Uma pequena maleta é suficiente”, referindo-se ao que é necessário para viver. Isso me provocou pensar no acúmulo de coisas que guardamos sem necessidade.

Se olharmos para nosso armário de roupas, há aquelas que não saem do cabide faz mais de ano. Certamente, essa é supérflua, não precisamos dela, mas está lá, guardada, apertando-se entre as outras, ocupando espaço inutilmente.

Nesses dias, alguém sugeriu, que, neste tempo de frio, fosse levada no carro uma blusa que estivesse sobrando e a entregasse a alguém que se encontrasse passando frio pelo caminho. Gostei da sugestão e já consegui alocar no ombro de desconhecidos duas blusas que faziam parte de meu “supérfluo”. Tenho outra para o próximo que encontrar. Não me fazem falta, mas estavam fazendo falta para alguém. Assim são camisas, calças e outras bugigangas. Há muito supérfluo em nossa casa que são úteis para quem não tem e precisa dele. Então doe, não fique pensando “ah pode ser que eu venha a precisar…”. Se não precisou até agora, você tem outros recursos para suprir o que vai doar.

Como disse o comentarista de meu texto, “Uma pequena maleta é suficiente” para nossa “viagem” nesta vida. Aliás, como disse o Papa Francisco, nunca se viu, atrás de um cortejo fúnebre, algum caminhão de mudança levando seus pertences.

Nós temos a mania de guardar tudo e acumular muito. O medo de passar necessidade nos faz guardar até alimentos demais. Ficam lá na prateleira, até vencer o prazo de validade, para depois jogá-los fora, porque não se pode consumi-los. Esquecemo-nos de imitar os pássaros, que não acumulam nada para o dia seguinte e saem cantando de manhã para encontrar o necessário para o novo dia. Nesse sentido, confiamos pouco na Providência. Jesus, numa ocasião, enviou seus discípulos e disse-lhes que não levassem duas túnicas nem sacolas, nem dinheiro… Ele foram. Nenhum voltou reclamando que passou fome. Pelo contrário, voltaram felizes, contando as proezas que haviam feito.

Pensando bem, quanto mais presos ficamos às coisas, menos livres para viver. Não estou sugerindo ser leviano, irresponsável ou despejar sobre os outros aquilo que é de nossa responsabilidade. Estou apenas dizendo que, por vezes, guardamos tranqueiras demais (digo por mim). Quando damos algo que é nosso, libertamo-nos um pouco de nosso egoísmo, experimentamos um pouco de alegria diferente daquela que sentimos quando compramos ou ganhamos uma roupa. É uma alegria mais prazerosa e duradoura. Além de tudo, abate um pouco de nossa “dívida”, porque aquilo que está demais em nossa casa é o que está faltando na vida de alguém.

Façamos uma vistoria em nossa casa e vejamos quanto supérfluo há por lá. Coloquemos numa caixa para doação o que não precisamos. Enquanto fazemos isso, podemos também examinar nossa vida que, às vezes, está também cheia de coisas inúteis de outra espécie. Refiro-me aqui a bagulhos que não estão em armários, mas que atrapalham a vida mais livre também. São aqueles que sufocam a alma, o psíquico. Por exemplo, nossas lamúrias, nossos ódios, nossos rancores, nossos vícios, nossa mente poluída, nosso olhar cobiçoso, invejoso, ciumento. Esses adereços não enchem gavetas de armários, mas espaços psíquicos dentro de nós. Isso não é para doação, mas para liberar espaço para uma vida mais sadia. Livrar-se deles também é um alívio não somente para a consciência, mas também para o emocional, que se desgasta com esses “infantilismos” alimentadores de nossas imaturidades e apegos que impedem de viver nossas relações com mais amabilidade e solidariedade.

Vamos, então, ao trabalho, vasculhar nossas gavetas e armários, tirando o supérfluo para doação e prescrutar o coração, liberando mais espaço nele para viver a solidariedade e a compaixão em nossas relações fraternas. Continuemos nossa “viagem” com “uma maleta menor”, carregando o indispensável, sem ambições que nos levem a acumular demais e nos cansar da vida antes da hora.

Pe. Deolino Pedro Baldissera, SDS
Padre salvatoriano há 43 anos, professor e psicólogo pela Universidade Gregoriana de Roma, com mestrado em Psicologia e doutorado em Ciências da Religião. Atualmente é pároco em Videira-SC.
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