Violência e o poder do Estado

Não há um dia em que, ao assistir ou ouvir noticiário, não apareça um caso de violência. Conforme o artigo 5º da Declaração Universal dos Diretos Humanos, “Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradáveis”, e o artigo 9º estabelece: “Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado”. Porém a sociedade brasileira tem assistido a vários casos conhecidos nacionalmente e que têm repercutido internacionalmente, tanto de civis quanto de militares em serviço. Por que tanta violência? O que tem violado os direitos humanos de tantos cidadãos brasileiros?

A partir dos estudos feitos sobre o Período Moderno, constata-se que os indivíduos controlados pelo Estado passam a serem vistos como meros objetos “mercadológicos”, gerados por um “biopoder”, ou seja, o econômico prevalece sobre o corpo social e cultural, sendo a violência e a exploração como consequências.

Em O mal-estar na civilização, o psicanalista Sigmund Freud já alertava para os problemas psicológicos que os indivíduos da Modernidade enfrentariam devido ao poder tanto do Estado quanto da religião, o que seria constatado, mas, ultimamente, também poderes paralelos ao governo oficial. Said, que escreveu o Imperialismo do Ocidente, critica os desastres não apenas econômicos, mas também culturais, por quererem conceber o mundo como “aldeia global”, sendo que as crenças, os costumes, as economias locais, próprias das famílias, bem como a linguagem não foram respeitados nas aldeias ou comunidades.

Também verificamos que o massacre cultural dos povos a partir da globalização gerada pelo capitalismo não é nem sempre pela violência física, mas ideológica que existe por trás da mídia. Esta busca manter uma ideia de “aldeia global” por meio da tecnologia, agora informatizada, causando a violência às crenças dos indivíduos, à sexualidade, desestruturando indivíduos e suas famílias que, por causa da produção, terão as energias direcionadas à satisfação de determinada classe.

Como saber e combater tanta violência que atinge nossa sociedade brasileira? De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), violência é definida como “o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”.

A violência física é a que mais atinge diretamente o corpo. A agressão física utiliza a força; a lesão é visível e, por isso, ficam os hematomas, faz-se corpo de delito.

Com a tecnologia, a violência psicológica tem sido muito praticada, de modo direto ou indireto. Na violência psicológica direta, o agressor usa palavras de humilhação, por vezes, diretamente à pessoa, com palavras de baixo nível, que baixa a autoestima, como acontece com o preconceito racista, xingamentos. A indireta pode ser por meio de ameaças, imposição de medo à vítima.

A violência ideológica pertence a um conjunto de ideias sem fundamentação transmitidas pelos veículos de comunicação midiática; propagandas enganosas que projetam nos indivíduos falsas ideias do que comprar, ter coisas que não são necessárias ou promessas de felicidade, ou de liberdade que não condizem com o mundo real.

Outra violência cometida é a financeira, muito comum, praticada por instituições bancárias, estimulando aposentados e, ou, pensionistas a fazer empréstimos consignados ou aplicações desnecessárias, descontando dos salários, que já são mínimos para a sobrevivência, muitas vezes, de uma família inteira. Essa violência também é praticada por familiares quando utilizam o cartão de crédito do parente ou pessoa amiga, “sujando” o nome do titular por faltar com o compromisso de pagar, dentro do prazo, o que deve.

Ainda há a violência afetiva, quando a pessoa é privada de ter contato parental. Isso é muito comum em internações arbitrárias de pessoas idosas, que querem viver independentes, mas, por receberem um benefício, são “cobiçadas” por algum ente querido ou instituição, ou após fazerem a doação de propriedades para os filhos, são levadas para casas de repouso, muitas vezes clandestinas. A violência sexual, que ocorre nas relações hétero ou homossexuais e visa a estimular a vítima ou a utilizá-la para obter excitação ou práticas eróticas, pornográficas, impostas por aliciamento.

Infelizmente, a violência está em toda parte. A violência doméstica tem aumentado o feminicídio, a violência escolar, como o bullying e outros preconceitos. Esta última gera revolta contra a escola, causando vítimas inocentes, com massacres de crianças e profissionais da educação. A precarização dos professores tem deixado a categoria doente e é cada dia mais desafiadora em relação aos recursos pedagógicos.

A Declaração Universal de Direitos Humanos estabelece, em seus artigos, que “toda pessoa tem direito à vida, à liberdade, à segurança”, o que deve garantir formas de estimular uma proteção coletiva para todos. Para isso, devemos educar para a empatia, o respeito, a solidariedade; criarmos coragem para denunciar ameaças e torturas, se for preciso. Discar 100, discar 180 ou 190. Procurar conhecer a Comissão Estadual dos Direitos Humanos, Conselho Estadual da Mulher, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente ou Conselho Tutelar, Ministério Público.

Diante de todo poder estabelecido pela globalização, abordar a necessidade de reverter os “monopólios” da monocultura do saber, da produtividade, da mercadoria, da economia, das diversidades e compreender a ecologia do saber, da produtividade, das relações das diferenças, entre outros aprofundamentos, sugere o entendimento de diversas facetas das culturas, do ser humano como uma forma de buscar um convívio social tolerante, fraterno, em que, de fato, todos possam gozar dos direitos, sem violência.

Maria Terezinha Corrêa
Mestra em Antropologia, especialista em Ensino de Filosofia, graduada em Filosofia e Pedagogia, e Teologia pelo Mater Ecclesiae, filiada à ABA, APEOESP, SBPC, Sintram, Aproffib, Pastoral da Pessoa Idosa, ligada à Arquidiocese de Florianópolis, e professora de Filosofia na Rede Pública Municipal de São José-SC.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *