Violência nas escolas: o ponto de vista da psicanálise

Neste artigo refletiremos sobre esta triste realidade e buscaremos luzes, na linha da psicanálise, para amenizar e ajudar a lidar com os impactos das notícias e imagens veiculadas exaustivamente pela mídia. Nos últimos 21 anos, calcula-se que aconteceram em torno de 25 ataques a escolas, ceifando a vida de cerca de 30 alunos, 6 professoras, 2 outros profissionais da educação. Cinco agressores foram mortos.

O que podemos encontrar, nos escritos da psicanálise, que tenha relação com esses tristes fatos? No volume 13 das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, ao falar sobre o interesse educacional da psicanálise, Freud comenta, em 1913, que “somente alguém que possa sondar a mente das crianças será capaz de educá-las, e nós, pessoas adultas, não podemos entender as crianças, não entendemos nossa própria infância” (p. 132). Nós não entendemos, pois há uma espécie de amnésia em nós, adultos, que nos torna estranhos à nossa infância, segundo Freud. Para ele, somente a psicanálise pode trazer à luz detalhes dessa primeira fase de nosso desenvolvimento.

Quanto ao universo escolar, podemos relacionar a repressão escolar com a seguinte afirmação do Pai da Psicanálise: “A supressão forçada dos fortes instintos por meios externos […] conduz à repressão, que cria uma predisposição a doenças nervosas no futuro” (p. 132). O autor descreve ainda o que ele chama de ambivalência. Isso seria o sentimento de amor e ódio, de críticas e de respeito em relação ao professor. Segundo ele, podemos cortejá-lo ou virar-lhe as costas, vê-lo como simpático ou como antipático. Ainda, ter prazer em encontrar nele suas fraquezas e, ao mesmo tempo, orgulhar-nos de sua excelência, competência e sabedoria.

Freud explica que isso tudo tem base nos seis primeiros anos de vida da criança, na relação com os pais, irmãos, irmãs e até babás. Mais tarde, todos os que substituírem essas pessoas serão os “imagos” dessas figuras paternas e maternas. Segundo Freud, na mesma obra de 1913, todas as escolhas posteriores de amizade e amor seguem a base das lembranças deixadas por esses primeiros protótipos. Com o desenvolvimento natural, já na segunda infância, o menino (especialmente) começa a se desligar da imagem perfeita dos pais e começa a transferir para o professor esse papel.

“Descobre que o pai não é o mais poderoso, sábio e rico dos seres, fica insatisfeito com ele, aprende a criticá-lo, a avaliar o seu lugar na sociedade; e então, em regra, faz com que ele pague pesadamente pelo desapontamento que lhe causou […], é nessa fase do desenvolvimento de um jovem que ele entra em contato com os professores, de maneira que agora podemos entender nosso relacionamento com eles. Estes homens, nem todos pais, na realidade, tornaram-se nossos pais substitutos […] começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa” (Freud, 1913, p. 164).

Motivações complexas

Que relação podemos estabelecer entre esse estudo da psicanálise com os fatos que aconteceram, nestes tempos, mais de cem anos depois dos escritos de Freud? Muito se especula sobre as causas dos ataques, o que teria influenciado os adultos e os adolescentes a serem os autores de tais tragédias. Alguns afirmam que isso é resultado dos jogos violentos da internet. Como sabemos, não há sustentação segura para essa afirmação, tendo em vista que os jogos sempre existiram e nem todos os que tiveram acesso a eles se tornaram violentos.

No entanto, convenhamos, alguns dos ataques filmados por câmeras de segurança reproduzem a ação, a vestimenta, os gestos e os armamentos presentes em alguns personagens de jogos atuais viciantes. Há afirmações que transferem totalmente a responsabilidade para o ambiente familiar. Outros ainda, ao ambiente escolar. O fato é que não há um único cenário responsável.

O artigo de Freud menciona o desenvolvimento saudável de uma criança. No entanto, ao falar da transferência da figura paterna, materna e fraterna, cita a possibilidade de um desenvolvimento patológico. Este, hoje, encontra suporte na internet, em alguns grupos on-line de apologia ao crime. Há incentivo, por parte de influencers, ao armamento, ao racismo, à misoginia, à xenofobia, à homofobia e a outras formas de preconceito. Soma-se a isso o bullying praticado pelo agressor e pela vítima no ambiente escolar.

Trabalho multidisciplinar

O governo de Porto Alegre-RS publicou um protocolo de prevenção à violência nas escolas (Previne). No documento, é apresentado um estudo feito pela Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), revelando que, em seis cidades do Brasil, 84% dos estudantes consideram a escola violenta; 70% reportaram serem vítimas de violência escolar (física, discriminatória e de exclusão social). Em se tratando de Porto Alegre, 7% são vítimas de crimes convencionais; 18% revelaram ser maltratados; e 32% sofrem agressão familiar.

Apesar de aversivos, esses números servem de base para uma correlação com alguns pensamentos da psicanálise, segundo o pensamento de Freud em 1913. Embora o Pai da Psicanálise não tenha abordado o tema violência nas escolas, alguns pensamentos dele nos dão luzes para compreender o universo escolar cem anos depois.

A família, a escola e a sociedade brasileira estão pedindo socorro. A escola sozinha se torna impotente diante dessa insegurança. Um aluno convive somente quatro horas, em média, no ambiente escolar. As outras 20 horas são divididas entre a família, a rua e a internet. Por isso é necessário um trabalho multidisciplinar envolvendo o Estado, a sociedade, profissionais da Psicologia, da Assistência Social, da Pedagogia e da Segurança Pública.

Como apoiar pessoas afetadas por uma tragédia em escola

• Ofereça apoio incondicional à criança ou outra pessoa atingida pelos acontecimentos.

• Deixe a pessoa afetada expressar os sentimentos, emoções, medos, inseguranças.

• Use a linguagem adequada para falar com a pessoa afetada.

• Não negue os fatos, mas também não dramatize com detalhes.

• Informe a pessoa sobre as medidas de segurança que estão sendo tomadas na escola.

• Monitore as redes sociais frequentadas por seu filho ou aluno.

• Se for necessário, procure um profissional de saúde mental.

Referências

Freud, S. O interesse científico da psicanálise. In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Totem e tabu e outros trabalhos (vol. 13). Rio de Janeiro: Imago, 1974.

Porto Alegre (Município). Protocolo de prevenção à violência nas escolas (Previne). Porto Alegre: Câmara Municipal, 2019. https://www.camarapoa.rs.gov.br/arquivos/3334/download

Pe. Aparecido Luiz de Souza
Missionário do Verbo Divino e psicólogo.

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