Embora o homem moderno tenha à sua disposição grandes recursos tecnológicos, a sociedade parece estar carente de valores profundos. Daí, nunca como hoje, existir tanta infelicidade, angústia, depressão individual e coletiva que geram chagas como a violência sexual contra crianças e adolescentes. É doloroso olhar para esse problema, ao mesmo tempo em que nos coloca diante de uma grande responsabilidade, a de reconstruir o ser humano profundo em cada um de nós.
A violência sexual contra crianças e adolescentes é hoje uma das grandes preocupações em nível mundial, afetando a sociedade como um todo, grupos, famílias e indivíduos. É uma das violências que atingem todas as faixas etárias, classes sociais e ambos os sexos. Contudo fatores como a miséria facilitam situações de promiscuidade, favorecendo as vitimizações. Hoje é um problema endêmico e complexo de saúde pública, e um desafio para a sociedade. Estudos da Organização das Nações Unidas revelam a existência de 1,8 milhão de crianças envolvidas em redes de prostituição, 1,2 milhão submetidas ao tráfico de seres humanos, 230 milhões de vítimas de abuso sexual.
A violência sexual pode ser definida como envolvimento de crianças e adolescentes, dependentes e imaturos quanto a seu desenvolvimento, em atividades sexuais que eles não têm condições de compreender plenamente e para as quais não têm condições de dar seu consentimento.
Oitenta por cento da violência sexual contra crianças e adolescentes acontecem no espaço familiar ou em círculos de relações próximas e confiáveis. No ambiente doméstico, por um processo de domínio e poder estabelecido pelas regras sociais, agressores com laços consanguíneos e de parentescos praticam esse tipo de violência. Predominantemente, essa violência ocorre dentro de relações de poder, nas quais os homens praticamente possuem o domínio no território físico e simbólico da estrutura familiar. Os pais são responsáveis pelo maior número de vitimizações sexuais, seguidos de padrastos, tios e irmãos. O ambiente doméstico, isolado do olhar público, favorece que a violência praticada fique encoberta pelo silêncio cúmplice e sem testemunhas.
O autoritarismo e o machismo se articulam nas condições de vida das famílias. Apesar de os meninos serem também vítimas de violência sexual, as vítimas preferenciais dos agressores são crianças e adolescentes do sexo feminino. Isso evidencia a questão de gênero, em que as diferenças de sexo são convertidas em desigualdades, possibilitando o processo de dominação e exploração.
Além das possíveis lesões em seu corpo, crianças e adolescentes vítimas de violência sexual tornam-se adultos mais vulneráveis a outros tipos de agressões e distúrbios, podendo levar ao uso de drogas, prostituição, depressão e suicídio. A criança que sofre violência sexual pode carregar esse trauma que afeta seus padrões de relacionamento posteriores.
A violência sexual contra crianças e adolescentes é uma forma de abuso difícil de ser notificada devido a vários fatores. Entre eles, o silêncio e a negação dos fatos pelas crianças e as famílias, pelo medo e pelas perdas de laços familiares que envolvem. A criança vítima sofre ao revelar o abuso e ver-se privada do direito à convivência, pois o familiar pode ser afastado do lar ou posto na cadeia. É uma violência também difícil de ser denunciada devido à falta de credibilidade e provas físicas no sistema legal.
A partir da Constituição Federal de 1988, no Brasil, a criança passou a ser sujeito de direitos, merecedora da proteção integral por encontrar-se em fase especial de desenvolvimento físico, psíquico, cognitivo e social. A aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente realizou um importante avanço no campo dos direitos humanos, aprovando um instrumento que colabora decisivamente na identificação dos mecanismos de violência e implementação dos direitos constitucionais da população infantojuvenil.
Dessa forma, a sociedade e o Estado brasileiro promovem o enfrentamento dos diversos tipos de violência, assegurando às crianças e adolescentes o pleno exercício de seus direitos constitucionais e estatutários. O Conselho Tutelar, órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, tem como atribuição o atendimento direto de denúncias, o diagnóstico da realidade de violação de direitos, o monitoramento do Sistema de Garantia de Direitos e o atendimento direto de serviços, suprindo a falta de políticas públicas.
Quando a família como elemento de proteção falha em relação à criança e ao adolescente, entram os profissionais da Educação, da Saúde, do Serviço Social e do Direito, oferecendo um redirecionamento curativo e reconstrutivo. A complexidade e perplexidade desses comportamentos fazem com que o atendimento pelos profissionais de saúde também seja difícil e falte agilidade e eficiência.
Concluímos trazendo presente o apelo que essa questão traz para cada um de nós. Hoje sabemos que a vida não acontece de forma isolada, mas que participamos de um destino comum. Culpar e punir só leva a mais violência. Elevar nosso ser, cultivando os valores que dão dignidade à vida de cada ser humano trará uma corrente positiva. Para nós, cristãos, significa acolher-nos à ação do Espírito Santo, que renova todas as coisas, nos salva e reconcilia em Cristo.
Irmã Martina Maria González Garcia, SSpS