Sou de uma pequena província do nordeste da Argentina, Missiones, que deve esse nome às missões jesuítas entre os guaranis. A região ainda é caracterizada por uma religiosidade muito profunda, expressa nas devoções e festividades do povo ao longo do ano. Desde a infância, lembro-me de ver, em muitas casas, uma pintura emoldurada da imagem do Sagrado Coração de Jesus. Na casa de minha bisavó paterna, essa imagem adornava uma parede pintada de azul claro, como se estivesse indicando a transparência do céu e refletida pelos que moravam naquela casa; eles eram muito religiosos.
Quando vim para a África, especialmente quando trabalhava na Tanzânia, a imagem do Sagrado Coração de Jesus estava adornada com uma parede de barro, no interior de uma vila, ou em um belo gesso, em uma casa da cidade. Ainda mais para minha surpresa, encontrei a mesma imagem nos lares de irmãos e irmãs de outras denominações cristãs. Uma imagem muito doce de Jesus com o peito aberto, mostrando um coração ardente, saindo dele um raio de luz, perfurado por lanças, cercado por espinhos. Um coração que une e não se divide, um coração ecumênico, que reúne, numa grande família, aqueles que estão dispersos, o que leva a descobrir o outro não como inimigo, mas como irmão ou irmã. Que todos sejam um, esse foi um dos desejos e sonhos mais profundos de Jesus, antes de seu coração ser transpassado na cruz pela crueldade dos homens.
O que o Coração de Jesus tem que tantas pessoas lhe prestam homenagem em várias culturas? Eu acho que uma das respostas para essa pergunta, e ainda mais no contexto global de pandemia que enfrentamos, é que a devoção proporciona conforto e incentiva a não perder a esperança, confiando em que sempre há uma saída, mesmo nas piores situações da vida. As dificuldades, desafios que tantas pessoas enfrentam no dia a dia, devido a dificuldades econômicas, problemas de saúde, deterioração dos relacionamentos familiares, isolamento, solidão e muitos outros, levam muitas pessoas a serem fascinadas e atraídas pelo Sagrado Coração de Jesus e a depositarem em Cristo suas aflições. De coração aberto, Ele espera cada um para dar conforto, descanso e encorajamento. O coração transpassado de Jesus sofre em cada pessoa que sofre e se alegra em cada ser humano que encontra um sopro de vida para a jornada.
“Viva o coração de Jesus no coração de todas as pessoas.” É uma das orações e lema do nosso fundador, Santo Arnaldo Janssen, que era um grande devoto do Coração de Jesus e um fiel divulgador dessa devoção, antes mesmo de iniciar o trabalho missionário de Steyl. Não há dúvida de que nosso fundador descobriu o coração vivo de Jesus em todo ser humano que se dirigiu à graça divina. Ele sonhava que esse coração, que é a presença próxima de Deus, pudesse viver em todos os seres humanos e em todas as culturas. Por esse motivo, seu sonho era que seus missionários pudessem alcançar os lugares mais remotos do planeta para anunciar a boa-nova de consolo e esperança.
Para os membros da Família Arnaldina, a oração de Santo Arnaldo é muito eloquente. Nós a recitamos muitas vezes, talvez, em várias ocasiões, com alguma complacência e um pouco de desdém, levando a rezá-la sem pensar em sua profundidade. Geralmente não há reunião ou sessão de oração em que essa prece não faça parte do repertório.
Se formos um pouco mais longe com a nossa reflexão, fica claro que, sem o coração, não podemos existir. Segundo as Ciências Biológicas, o coração é o primeiro órgão que se forma e começa a bater apenas alguns dias após nossa concepção no útero. Quando o coração para de bater, a vida termina, um ciclo termina. O coração é o começo e o fim, é a fonte que permite que a vida flua para o corpo. Portanto podemos concluir que a vida de quem crê emana do Coração de Jesus e volta para ele quando sua missão termina.
Além disso, o que queremos dizer quando falamos de um coração sagrado? Não podemos deixar de lado a referência à Bíblia. A palavra “coração” é mencionada mais de oitocentas vezes e não se refere apenas a um tecido muscular que bombeia sangue para o corpo. Em uma linguagem profunda e poética, é a morada de atitudes, emoções e inteligência. “Acima de tudo, vigie seu coração, pois aqui estão as fontes da vida” (Pr 4,23), “Pois onde quer que esteja o seu tesouro, também estará o seu coração” (Mt 6,21), “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro de seu coração, mas o homem mau tira de seu mal coisas más, porque a boca fala daquilo de que o seu coração está cheio” (Lc 6,45), “Você deve amar o Senhor seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma e com toda a sua mente” (Mt 22,37).
Esses textos bíblicos, entre outros, deixam bem claro que todo coração é criado como fonte da vida e motor do amor. É por onde ocorrem os sentimentos e pretensões mais profundas do ser humano, mas também é lá que se originam ressentimentos e violência de todos os tipos. O coração é sagrado, mas está contaminado com as sementes do mal. Em Jesus isso não ocorre, porque seu coração não está contaminado com o pecado que mancha e degenera o coração do ser humano.
Jesus diz: “Venham a mim todos vocês que trabalham e estão sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Aceitem meu jugo e aprendam comigo, pois sou manso e humilde de coração”(Mt 11,28-29). Em um mundo dividido e dilacerado por todas as formas de miséria e tormento, longe de ser uma devoção antiquada, o Sagrado Coração de Jesus é mais válido do que nunca.
Somos convidados a focar e guiar nossas vidas de e para Ele. Ele é a fonte pela qual nos entregamos no trabalho missionário com zelo ardente e coração apaixonado. Somente quando for focado nele, o nosso serviço missionário será mais eficaz, próximo dos necessitados e dispostos a compartilhar ou sofrer com aqueles que sofrem. Com ouvidos atentos e coração, nós nos esforçamos numa atitude de combate para banir o mal que oprime e mata a felicidade dos corações.
E para você, querido irmão, querida irmã, que sentimentos o Coração de Jesus desperta em você? O que isso diz a você? O que ele convida você a fazer?
Hugo José Calis é missionário do Verbo Divino. Da Argentina foi para a África, onde vive desde 2012. Trabalhou em comunidades da Tanzânia e hoje atua na formação de religiosos missionários em Nairóbi, no Quênia.