A compaixão: um apelo somente entre os seres humanos?

Se tomamos como base nossa profissão de fé (o Creio), rezamos: “Creio em Deus… Criador do céu e da terra, das coisas visíveis e invisíveis”, temos de admitir que tanto a compaixão quanto a conversão cristã incluem o relacionamento que os seres humanos também têm com o mundo.

Conforme o Papa Francisco destaca em sua Encíclica Laudato si’ (LS), as narrativas bíblicas da Criação, no livro do Gênesis, sugerem que a existência humana se baseia em três relações fundamentais intimamente ligadas entre si: a relação com Deus, a relação com o próximo e a relação com a terra. Trata-se, portanto, do plano original de Deus, no qual prevalece a harmonia entre o Criador, a humanidade e toda a criação (cf. LS, n. 66).

No primeiro relato da criação (Gênesis 1,1-31), a expressão “e disse Deus” aparece dez vezes. A descrição de como ocorre a ação criativa de Deus varia de acordo com a natureza do Sujeito que realiza o ato criativo e o objeto resultante dessa ação. Podemos ver isso com o elemento terra. A própria terra tem a capacidade de germinação, portanto pode ser encarregada da execução do plano provedor de Deus. Embora a terra produza por si mesma, a capacidade produtiva lhe foi dada por determinação do Criador. Da mesma forma, quando se prevê que a terra produzirá animais, é Deus o responsável por realizar essa previsão.

Nesse sentido, a ideia central da história é que Deus é o Criador de tudo, dos elementos primordiais, daqueles pertencentes aos três reinos do universo físico (água, terra, céu) e do homem. Além disso, essa criação é apresentada como uma atividade ordenada e ordenadora. Há um eixo organizador na atividade de Deus que é estruturado pelos seis dias, pela localização das horas de luz, pelos verbos de ação indicados e pela atribuição ao homem de cuidar e cultivar a terra.

Há também um versículo importante nesse relato: “E viu Deus que tudo era bom”. Deus observa a Criação todos os dias e lhe parece boa. Deus estava satisfeito com a própria Criação. Esse versículo é a primeira declaração de valor na Bíblia. É um versículo ético. De acordo com o exegeta Gerhard von Rad, esse versículo se refere à plenitude do propósito e da harmonia, e não a uma visão estética da Criação.

Quando a fé cristã fala da Criação e, ao fazê-lo, dirige seu olhar para Deus, ela diz apenas que Deus criou o mundo como algo bom.

O autor da história quer assegurar a seus leitores que Deus não falhou. A luz é boa. A terra e as águas são boas, as árvores e todas as plantas são boas. O céu e tudo o que há nele são bons. Os animais e todas as criaturas vivas são bons. E, finalmente, os seres humanos são bons. O autor do relato sacerdotal da Criação sabia, por experiência própria, que há muito o que respeitar e temer no mundo, e que a criatura não é apenas algo para ser usado e desfrutado.

Não somos, portanto, Deus. Como afirma o Papa Francisco, a Terra nos precede e nos foi dada. A responsabilidade por uma terra que é de Deus exige que os seres humanos, dotados de inteligência, respeitem as leis da natureza e os delicados equilíbrios entre os seres deste mundo. Além disso, a legislação bíblica continua propondo várias regras ao homem, não apenas em relação aos outros seres humanos, mas também aos outros seres vivos: “Se vires o jumento ou o boi de teu irmão caído no caminho, não o negligenciarás… Se encontrares um ninho de pássaro em uma árvore ou no chão, e a mãe estiver deitada sobre os filhotes ou sobre os ovos, não levarás a mãe com os filhos” (Deuteronômio 22,4.6) (cf. LS, n. 68).

Para refletir

– Como os jovens se relacionam com a natureza?

– Qual é nosso olhar sobre as coisas criadas? Nós as valorizamos como criação de Deus ou as vemos como coisas insignificantes?

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Irmã Kreti Soledad Sanhueza

Missionária serva do Espírito Santo.