Um dos sinais mais gritantes de que a sociedade atual perdeu o rumo e está numa profunda crise de valores é o grau de violência que sofrem as crianças. Isso vai desde os pais que somente conversam com os filhos aos gritos até o alto grau de exposição de cenas de violência e sexo que aparecem nos meios de comunicação; tudo de forma tão banal que já não nos escandalizamos e até pensamos que é normal.
No entanto tudo isso vai destruindo, aos poucos, o ser da criança e ferindo profundamente sua alma, deixando sequelas para a vida futura. Se o excesso de exposição causa danos, o que dizer a respeito do abuso sexual contra a criança? O que dizer a respeito da pornografia infantil e da pedofilia?
O mais triste é que a maioria dos casos de abusos são causados por pessoas próximas à criança e até da própria família. E as consequências para a vítima são devastadoras, às vezes levando até ao suicídio. Dificilmente uma pessoa que foi abusada na infância supera o trauma e consegue ter um bom relacionamento afetivo na vida adulta.
As crianças são o que há de mais sagrado e precioso, e deveriam ser protegidas e cuidadas de tal forma que jamais tivessem de enfrentar tal sofrimento. Que grau de perversidade atingimos como humanidade para abrigar esse tipo de conduta? Acredito que o abuso sexual contra crianças e adolescentes é o sintoma de uma sociedade doente e que precisa ser tratada. Não apenas as pessoas que molestam as crianças, mas a sociedade como um todo, pois, de alguma forma, acoberta e compactua.
Vale a pena mencionar que esse problema também está presente nas igrejas e nas instituições e, infelizmente, em nenhum lugar as crianças estão realmente seguras. Essa situação é inadmissível e exige mudanças. O Papa Francisco teve a coragem de colocar o dedo na ferida e exigir que as pessoas envolvidas nesse tipo de crime sejam denunciadas e assumam as consequências de seus atos.
Em fevereiro deste ano, a Igreja Católica, atendendo à convocação do Papa Francisco, realizou um encontro profético para estudar o problema, ouvir as vítimas, dar encaminhamentos concretos para defender crianças e adolescentes, e eliminar tais abusos dentro da Igreja. O Papa recordou que “Crimes de abuso sexual ofendem Nosso Senhor, causam danos físicos, psicológicos e espirituais às vítimas e lesam a comunidade dos fiéis”.
Como resultado desse encontro, recentemente o Papa Francisco publicou um documento motu proprio estabelecendo novos procedimentos para lidar com esses casos, obrigando o clero e os religiosos a denunciarem tais abusos. Essa medida visa não somente a impedir que os agressores voltem a molestar outras crianças como também acabar com a prática do acobertamento.
Entre os procedimentos está a obrigatoriedade, para todas as dioceses do mundo, de, até junho de 2020, criar um sistema de atendimento no qual as pessoas que sofreram abusos possam recorrer à Igreja local, com a certeza de que serão bem acolhidas, protegidas de represálias e tratadas com a máxima seriedade.
Na implantação das novas medidas, obrigatórias para o clero e para os religiosos, o Papa conta também com o apoio dos leigos, que poderão ajudar, apresentando denúncias e contribuindo com suas especialidades profissionais para oferecer apoio médico, espiritual e psicológico como também no acompanhamento dos processos de investigação.
Com essas novas medidas, a Igreja está assumindo a responsabilidade por fatos ocorridos e buscando decididamente proteger crianças e vulneráveis dos abusos de poder e da violência sexual. São passos importantes, pois, de acordo com as palavras do Papa no início do documento: “Para que tais fenômenos, em todas as suas formas, não aconteçam mais, é necessária uma conversão contínua e profunda dos corações, atestada por ações concretas e eficazes que envolvam a todos na Igreja”.
Irmã Ana Elídia Caffer Neves, SSpS
Jornalista, membro da Equipe de Comunicação Congregacional e coordenadora de Comunicação da Província Stella Matutina (BRN)