Celebração da Palavra: curiosidades e desafios (parte I)

Chega o domingo, e igrejas e salões, de norte a sul, no campo e na cidade, abrem-se para receber os fiéis. Chegam trabalhadores e trabalhadoras, jovens e crianças, idosos, enfermos, famílias enlutadas e outras que festejam alguma data. Ao se constituírem em assembleia, formam o Corpo Místico do Senhor, como crê a fé cristã. A liturgia começa. À frente, contudo, não está um padre ou um bispo, mas uma religiosa consagrada ou um operário, uma catequista, um diácono, uma dona de casa, um missionário ou outra pessoa que presidirá aquele momento de louvor a Deus.

Segundo a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), 70% das comunidades católicas do País se reúnem, no “Dia do Senhor”, para a celebração da Palavra de Deus. Não é exagero. Basta afastar-se de áreas mais centrais para notar que essa é uma prática em muitos lugares de nosso país. 

Particularmente, tenho a impressão de esse índice estar bem desatualizado, pois o dado aparece, faz muitos anos, nos documentos da Igreja. Também o número de padres vem diminuindo, e o de comunidades aumentando, a despeito da redução do número de católicos, segundo previsões do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Além disso, por graça divina, cresce entre muitos fiéis a consciência da centralidade da Palavra de Deus na vida cristã, não deixando irmãos e irmãs ficarem de fora da grande assembleia dominical. 

Dito isso, em dois textos, pretendo partilhar algumas características e desafios dessa liturgia que, de modo algum, é inferior. No fim desta série, indico algumas leituras (as quais recomendo vivamente) para quem deseja se aprofundar no tema.

 

Cristo presente, de modo real, também no Pão da Palavra

Desde o início, o cristianismo considera que Jesus está presente, de forma real, no Pão da Palavra, tal como nas espécies eucarísticas do Pão e do Vinho. “As divinas Escrituras sempre foram veneradas como o próprio Corpo do Senhor pela Igreja, que – máxime na sagrada Liturgia – não cessa de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, tanto da mesa da Palavra de Deus quanto da mesa do Corpo de Cristo” (Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum, 21). 

Deus é generoso em nutrir seus filhos e filhas. Em todos os sacramentos e sacramentais, a Sagrada Escritura deve (e precisa) iluminar e nutrir a vida do povo. A comunhão desse Pão é realmente para todos: para iniciados e quem chega, para os regulares e os “irregulares”, para os curiosos e os interessados, para os sábios e os ignorantes, enfim, para santos e, ou, pecadores. 

 

Quem preside

A celebração da Palavra, tal como outros sacramentais, é presidida por Jesus, em louvor a Deus Pai, no Espírito Santo. A presidência pode ser exercida por ministros ordenados, consagrados ou leigos iniciados na vida cristã, sempre com o devido preparo, pois liturgia e improvisos geralmente não costumam se dar bem. 

Quem serve na presidência o faz em nome de Cristo, portanto deve ocupar, sim, na cadeira própria desse ministro (isso não vale para a cátedra, exclusiva para o bispo local). A liturgia determina algumas atribuições a essas pessoas. Entre elas: conduzir os ritos iniciais, proferir a homilia, introduzir e concluir as preces, dirigir os ritos de louvor, da comunhão eucarística (se for o caso) e finais. O presidente, mesmo não sendo ministro da comunhão, pode distribuir o Pão Eucarístico. 

No caso dos ministros ordenados, é mais comum que os diáconos presidam essa liturgia, mas os padres e os bispos também a conduzem. Em 15 de outubro de 1991, por exemplo, o Papa São João Paulo II presidiu uma bela celebração da Palavra em Goiânia-GO, e repetiu o gesto em muitos outros lugares.

Seja quem a presidir, como em outros ritos da Igreja, o precioso serviço deve ser feito com sobriedade, discrição e, principalmente, com amor a Deus e aos irmãos e irmãs. Inexiste o espaço para personalismos.

 

Riqueza de ministérios

A Igreja é riquíssima em ministérios. A celebração da Palavra também é uma oportunidade na qual eles devem estar presentes. Apenas como exemplo, cito alguns desses serviços: equipe de acolhida, presidente, acólitos, músicos, ministros extraordinários da comunhão, leitores, salmistas. Sempre é bom recordar que é uma liturgia com características próprias, exigindo cuidadosa preparação de todos. Nada de “piloto automático” ou o atrofiante “sempre foi assim”.

 

Adoração a Deus

Antes de tudo, é bom esclarecer que a celebração da Palavra não pode ser confundida com adoração eucarística (infelizmente, isso é comum em muitas comunidades). Estar com os ouvidos e, sobretudo, o coração abertos para acolher a Palavra é um gesto de adoração ao Pai. Esse louvor a Deus precisa propagar-se pela vida, colocando-se em prática toda a riqueza do Pão da Palavra, que deve produzir frutos.

 

Diversas possibilidades

Há muitos modos de celebrar a Palavra de Deus. A própria CNBB e especialistas propõem formas bem interessantes, como a liturgia unida ao Ofício Divino, a ritos inculturados, às exéquias (funerais), a bênçãos diversas (bodas, formatura, envio missionário, etc.). Pode ser realizada com ou sem o rito da comunhão eucarística. Essa doce liberdade não significa um “vale-tudo”. Os princípios da liturgia devem ser respeitados, não na chave de “pode/não pode”, mas de “tem sentido/não tem sentido”.

Veja também

Celebração da Palavra: curiosidades e desafios (II)

 

Alessandro Faleiro Marques

Membro da Equipe de Comunicação SSpS Brasil e da Equipe de Espiritualidade da Província SSpS Brasil Norte, diácono na Arquidiocese de Belo Horizonte.

 

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *