Na primeira parte deste artigo, apresentei alguns tópicos que nos ajudam a compreender o valor da celebração da Palavra na Igreja. Em tempo, preciso recordar que essa liturgia é muito próxima das atividades das missionárias servas do Espírito Santo mundo afora. Quantas delas presidem esse sacratíssimo ato que ilumina as comunidades e louva o Pai por Jesus, o Verbo que se fez ser humano e veio habitar entre nós (cf. Jo 1,14)! Bendito seja Deus! Nesta conclusão, exponho outros três pontos e indico subsídios para aprofundamento.
Não é “quebra-galho”
No Concílio Vaticano II, a Igreja (re)valorizou a Palavra de Deus, colocando-a em seu devido lugar: o centro da vida cristã. Como amadurecimento dessa inspirada determinação, o Magistério posterior, não apenas no Brasil, propõe que a celebração da Palavra tenha um lugar próprio na vida das comunidades de fé. Mais do que um “substituto” ou “quebra-galho” (!!!???) quando o padre ou o bispo não podem presidir a Eucaristia, há uma sólida proposta de um horário fixo para essa liturgia em paróquias, casas religiosas, escolas, cárceres, hospitais, quartéis, etc.
Sem confusão com a celebração Eucarística
A celebração da Palavra tem características bem próprias, mas alguns momentos podem ser semelhantes aos da Eucaristia ou de outras liturgias, como os ritos iniciais, da comunhão eucarística e finais. Certos gestos, contudo, não se aplicam: a récita de orações eucarísticas e seus prefácios, sejam em parte ou completos (!?), rito do lavabo (próprio para o sacramento da Eucaristia), uso do vinho, mesmo figurativamente, a récita ou o canto do Cordeiro de Deus, músicas que falam do pão e do vinho, entre outros.
Por outro lado, devem ser usados os devidos espaços litúrgicos (a cadeira presidencial, o ambão, o altar da Eucaristia, se for o caso). O mesmo vale para os livros: o Missal Romano (livro da comunidade, não apenas dos ministros ordenados), o lecionário, o Evangeliário (o principal livro litúrgico da Igreja), evitando-se os folhetos ou os famigerados slides. Também pode ser usado o incenso, em qualquer tempo, seja pelo turíbulo, seja por outro recipiente próprio (veja o n. 1154 do Catecismo da Igreja Católica).
Desafios
É uma lástima, mas muitos cristãos ainda não valorizam devidamente a Palavra de Deus. Por diversos motivos, sequer têm ideia da gigantesca sacralidade desse Pão no qual Jesus também está presente. Prova disso é o zelo (por vezes, até exagerado) em escolher e preparar os ministros extraordinários da comunhão eucarística, mas não o mesmo esmero com os ministros que servem o Pão da Palavra: presidentes, leitores e salmistas, equipes do canto, por exemplo. No campo ou nas cidades, em lugares com mais ou menos recursos, não é raro escolherem os leitores na porta da igreja, minutos antes das liturgias; tudo na base do improviso, da boa vontade ou até de uma “santa coação”.
Certa vez, numa noite de domingo, fui chamado, às pressas, para celebrar em uma movimentada paróquia. Quando a “equipe de liturgia” viu que não seria a missa, mas a celebração da Palavra, faltou pouco tirar as flores do presbitério. Praticamente tudo e todos foram desmobilizados, até a procissão inicial foi dispensada. Ao entrar sozinho, segurando o Evangeliário, coube-me, no silêncio do peito, lamentar a cegueira daqueles irmãos e irmãs.
Outro desafio é a preparação dos servidores e servidoras. Quase sempre, as dioceses oferecem formações, mas são pouco assumidas pelos próprios fiéis. Isso gera um círculo vicioso: menos formação, menos qualidade, mais desprezo.
Por último, sem querer esgotar a lista, estão o clericalismo e o machismo. Quantos claudicantes na vida eclesial voltam para casa ao depararem, na presidência de uma celebração, um fiel leigo… A rejeição parece ser ainda mais aguda quando lá percebem uma mulher, por mais especializada ela seja. Nem os diáconos (ministros ordenados) estão imunes a testemunharem o bate-volta dessas “almas exigentes”. Uma ignorância abissal! Repito: quem preside é Cristo!
Parafraseando São Jerônimo: ignorar o valor da celebração da Palavra é ignorar o próprio Cristo. É fechar-se Àquele que nos cura, conforta, orienta e até, vez ou outra, puxa nossa orelha (com carinho).
Veja também
Celebração da Palavra: curiosidades e desafios (I)
Para saber mais
ARQUIDIOCESE DE BELO HORIZONTE. Diretório Pastoral Litúrgico Sacramental. 3. ed. rev. ampl. Belo Horizonte: PUC Minas, 2024. (Documento 7). Disponível em: https://arquidiocesebh.org.br/wp-content/uploads/2025/01/diretorio-pastoral-liturgico-sacramental.pdf. Acesso em: 1 fev. 2025.
CARPANEDO, Penha. Dia do Senhor: rito da celebração da Palavra. (v. 1). São Paulo: Paulinas, 2017.
CNBB. Celebração da Palavra de Deus: subsídio para as comunidades. São Paulo: Paulus, 1995. (Subsídios da CNBB).
CNBB. Ministério e celebração da Palavra. Brasília: Edições CNBB, 2019. (Documentos da CNBB, 108).
CNBB. Orientações para a celebração da Palavra de Deus. 25. ed. São Paulo: Paulinas, 2011. (Documentos da CNBB, 52).
SANTA SÉ. Catecismo da Igreja Católica. (versão em português de Portugal). Vaticano, 1997. Disponível em: https://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html. Acesso em: 2 fev. 2025.
SANTA SÉ. Constituição Dogmática Dei Verbum. In: Concílio Vaticano II: documentos. Brasília: Edições CNBB, 2018. p. 175-198.
Membro da Equipe de Comunicação SSpS Brasil e da Equipe de Espiritualidade da Província SSpS Brasil Norte, diácono na Arquidiocese de Belo Horizonte.