No texto publicado em 22 de abril, sob o título Da fragilidade da vida, da Terra e dos direitos da Natureza, destacamos que é tarde para o pessimismo diante de um cenário que inclui aquecimento global, ondas de calor e ameaça à vida. Chegou maio e, com ele, a catástrofe ambiental no Rio Grande do Sul. Embora seja necessário falar sobre o assunto, faltam palavras para elaborar a gravidade, levando em conta os lutos em todos os níveis e a vulnerabilidade escancarada diante da crise climática.
Não estamos preparados e não estamos agindo preventivamente com o rigor e o compromisso requeridos. Globalmente, continuamos atuando como se estivéssemos diante da natureza e não como se fôssemos parte dela. Ela é, frequentemente, tratada como repositório de matéria-prima. Como indivíduos, comunidades e organizações, em nossas decisões cotidianas, abstraímos a Terra como sistema vivo, cujo tênue equilíbrio permite nossa vida, e a consideramos como propriedade que nos foi dada para violá-la e não para conservá-la. Nossos projetos de futuro são centrados no consumo e não na preservação de condições de vida para as gerações futuras. Em vez de investir recursos na produção do conhecimento e desenvolvimento de tecnologias orientadas pela sabedoria da natureza, autorizamos o uso de recursos para a conflitos ao redor do globo e a descoberta de novos mundos para usurpar e desequilibrar.
Com a onipresença dessa mentalidade que permeia governos, regulações e corporações, os investidores que concentram poder econômico e decisório atropelam a concepção dos espaços públicos ou dos lugares em que habitamos como ambientes no qual se desenrola a vida do cidadão e a tudo reduzem em propriedade, prevalecendo interesses individuais e não coletivos. Uma concepção de mundo como essa produz empobrecimento e vulnerabilidade.
Ninguém está imune. Seca, ciclones, inundações, ondas de calor são faces do mesmo problema que insistimos em negar. A realidade impõe o que preferimos não enxergar: que as ondas de calor de uma região, as massas de umidade e de ar frio de outra região produzem seca e inundação em lugares distintos. A natureza não respeita as fronteiras artificiais que criamos, limitando Municípios, Estados, nações. A negação leva à cegueira que impede ação preventiva. O cuidado com o planeta e a compaixão para com a vida em todos os lugares, incluindo o futuro, requer a superação da mentalidade que vigora hoje e que investe mais na morte do que na vida.
As ocorrências no Rio Grande do Sul são simbólicas por sua extensão, pelo grau de destruição, pelo número de pessoas que perderam sua cidade, seu bairro, sua casa; que perderam a vida ou adoeceram. Não há palavras para expressar a perplexidade. A rede de solidariedade que se formou é impressionante, mas a crise climática em curso exige antecipação, planejamento, investimento e prevenção.
As perguntas que emergem desse contexto são: como, em nossa profissão de fé e ação cotidiana, situar o equilíbrio do planeta no mesmo patamar da vida que consideramos como sagrada? Que posicionamentos públicos são requeridos para que a preservação de condições de vida na Terra seja o foco do direcionamento da energia, esforço e investimento coletivos? Que lugar queremos ocupar no fluxo contínuo da vida, considerando que nosso tempo de ação é agora?
Marli Teresinha Everling
Professora dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille); coordenadora do Projeto Ethos – Design e relações de uso em contexto de crise ecológica; colaboradora do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental (caranguejo.org.br); colaboradora do blog SSpS Brasil para temas ambientais (https://blog.ssps.org.br/posts); colaboradora das redes sociais do design para temas ambientais – Instagram @designuniville