Encontro com Nicodemos (Jo 3,1-13)

Olhando os evangelhos, vemos Jesus quase sempre rodeado de pessoas pobres, doentes, excluídas. Inclusive, muitas vezes, nem o nome destas é citado. Por isso não deixa de chamar-nos a atenção o relato do encontro entre Jesus e Nicodemos. Pois o texto nos diz que Nicodemos era membro da aristocracia de Jerusalém. A palavra usada para descrevê-lo é archon. Quer dizer, o que era membro do Sinédrio. Este era um tribunal de setenta membros e era a suprema corte dos judeus. Aliás, Nicodemos deve ter sido ser muito rico (cf. Jo 19,39).

Outro detalhe que temos é que Nicodemos era um fariseu (v. 1) e, portanto, era gente boa. Como assim, gente boa? Pois é, ao contrário do que comumente ouvimos, os fariseus eram a melhor gente de todo o país, porque se dedicavam a observar a Lei. Lembremos que, para um judeu, a Lei é sagrada, pois ela é a mais perfeita Palavra de Deus. Na Lei, explícita ou implicitamente, encontra-se tudo o que uma pessoa precisa para viver uma vida digna. A Lei encontra-se expressa nos primeiros cinco livros do Antigo Testamento.

A Lei consta de grandes, nobres e amplos princípios que o homem deve elaborar por si mesmo. Contudo, com o passar do tempo, entre os estudiosos da Lei, surgiu uma afirmação que dizia: “A Lei é completa; de maneira que, nela, deve haver uma regra e uma regulação para governar todo o possível da vida”. Logo, eles se dedicaram a extrair dos grandes princípios da Lei um número infinito de normas e regulamentos. Os escribas eram os que elaboravam esses regulamentos, e os fariseus eram os que dedicavam suas vidas a obedecê-los. Sendo fariseu, Nicodemos era convencido de que agradava a Deus, por isso nos surpreende que procurasse Jesus.

O Evangelista nos diz que era de noite quando Nicodemos se aproximou de Jesus (v. 2). Temos duas possíveis explicações para a afirmação “de noite”. Primeiro pode ter sido uma medida de precaução, para não expor o Sinédrio ou porque Nicodemos sinceramente não tenha querido comprometer-se. Outra razão, no caso, mais plausível, é que os rabinos afirmavam que a noite era o melhor momento para o estudo da Lei. De algum modo, na escuridão da noite, é que Nicodemos procurou Jesus. Quem sabe nele achasse luz à suas mais profundas interrogações?

No diálogo entre ambos, há uma série de perguntas e declarações que suscitam mais interrogantes. Será que a intenção do autor é propor-nos uma metodologia que nos faça pensar e encontrar, também nós, as respostas que buscamos “… ‘Rabi, sabemos que vens da parte de Deus como mestre, pois ninguém pode fazer os sinais que fazes se Deus não estiver com ele’. Jesus lhe respondeu: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus’” (vv. 2b-3). Num primeiro momento, vemos um Nicodemos maravilhado pelos sinais que Jesus vinha realizando no meio do povo.

Os sinais de Jesus que deslumbraram Nicodemos seguem fascinando hoje muitas pessoas. Tanto é assim que o comércio, sabendo de nossas buscas, tem-se mascarado de religioso e, a todo custo, vende-nos a ilusão dos sinais de Jesus. Mas estejamos atentos, pois a proposta de Jesus a Nicodemos, de uma mudança radical, também é para nós! “Jesus lhe respondeu: ‘Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus’” (v. 3). Será que, por detrás desse desafio, Jesus está pedindo que permitamos que seja Ele quem nos faça nascer de novo?

A resposta de Nicodemos deixa transparecer sua busca por esse novo nascimento, mas questiona sua possibilidade: “Como pode um homem nascer, sendo já velho” (v. 4). O nascimento novo não era lago estranho aos conhecedores da Escritura hebraica, portanto Nicodemos sabia dele (veja, por exemplo, 1Sm 10,6; Is 32,15; Ez 36,25-27; 37). Entretanto, parece-nos que o problema era que Nicodemos não estava reconhecendo Jesus como Messias, apenas queria discutir com ele como mestre, num nível de conhecimento semelhante.

Jesus, porém, fala a Nicodemos numa analogia terrena (água, carne, vento…) e, se Nicodemos não podia compreender isso, como poderia crer se lhe falasse das coisas do céu? Crer é mais do que aceitar racionalmente Jesus e seus ensinamentos. Crer é ter a certeza de que Deus caminha conosco. Crer é confiar que as palavras de Jesus, o Filho de Deus, podem-nos mudar e que essa mudança é tal que somente pode descrever-se como voltar a nascer. Mas essa mudança só é possível pela graça de Deus: “O Vento sopra onde quer, e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito” (v. 8).

Jesus usa a metáfora do vento para descrever a maravilhosa experiência que podemos ter quando Deus se move em nós por meio de seu Espírito. Pois nem o vento nem os movimentos do Espírito de Deus podem ser controlados por ninguém. A presença do Espírito nas pessoas é comprovada pelo efeito que exerce em sua vida. Por isso o seguimento de Jesus não se mede por guardar a Lei nem pelas belas pregações ou pelo conhecimento dos textos sagrados, mas por um amor igual ao de Jesus. Um amor capaz de pôr-nos em movimento para testemunhar que Deus vive e, por isso, o mal que destrói a humanidade pode ser vencido.

Irmã Juana Ortega, SSpS, é teóloga especializada em Bíblia. Nasceu no México, trabalhou em Moçambique e colabora na Animação Vocacional.

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