Os sinóticos narram o encontro de Jesus no Horto das Oliveiras, ou Getsêmani, enfatizando os dois fatos cruciais nesse lugar: a oração e a prisão de Jesus. Ambos os momentos estão impregnados de simbolismos e detalhes que devemos contemplar se almejarmos uma aproximação da experiência que os evangelistas nos querem transmitir, sobre a própria história da paixão de Jesus (ler Mc 14,32-42; Mt 26,36-46; Lc 22,40-46).
Seguindo a narrativa de Marcos (14,32-42), a oração no Horto nos insere no quadro do chamado de Jesus aos discípulos, expresso em Marcos (8,34): “autorrenúncia”, “tomar a cruz” e “perder a própria vida para salvá-la”. Todos os elementos estão ligados entre si e já predizem o tema da paixão que se concretizará naquela “noite silenciosa”, no Getsêmani.
O evangelista nos mostra, assim, que os acontecimentos da paixão e morte de Jesus são esperados, contudo a linguagem que usa para descrever a experiência de Jesus no Horto é muito forte: ele “mergulha na tristeza” (ekthambeisthai) e na “angústia” (ademonein). Trata-se da revelação de um alto grau de sofrimento e até de terror próprio do ser humano ante a proximidade da morte.
Em nosso contexto, a tortura e o assassínio, em suas diversas facetas, tornam-se cada vez mais triviais. É incrível ver como as sociedades que justificam e acolhem mortes cruéis mergulham, sem culpa nem remorso, em dinâmicas perniciosas. Isso se percebe até mesmo na midiatização dos acontecimentos, pois há casos de extermínios (genocídios, etnocídios, feminicídios, atentados, etc.) nos quais as notícias focam em detalhes menores, distraindo-nos da gravidade do problema social.
Algumas mídias, inclusive, favorecem veladamente que os assassinatos e outras mortes sejam considerados como coisa banal. Há muitos casos nos quais a vítima termina sendo assinalada como a causadora de sua desgraça. Dessa forma, justifica-se a injustiça, a agressão e o extermínio.
Esse problema é bem mais grave do que parece. Como disse a filósofa Hannah Arendt, vivemos a “banalidade do mal”. O ódio político, social, cultural e sexual se espalha por todo canto e, como consequência, cresce o número de crimes hediondos.
Diante dessa realidade, é importante observar que Deus Pai não quis a morte de Jesus, “o Filho Amado” (“Este é meu Filho muito amado. Escutai o que ele diz!” – Lc 9,35). Mas Deus acolheu a consagração de Jesus ao Reino, e essa consagração levará Jesus a ser assassinado pelos que rejeitaram o projeto de vida de Deus revelado no Filho, Jesus. Jesus também não buscou a morte, ele não era um sádico. Porém não recuou diante da cruz, porque ele é coerente com o anúncio do reinado de Deus e, portanto, assumiu as consequências.
As sociedades, quando erguidas na injustiça e opressão, não aceitam o Evangelho do amor, da justiça, da paz e vida digna, mas preferem matar as pessoas que as desafiam. Por isso, deve-nos ficar claro: não é Deus quem quer a morte, mas são os seres humanos que usam de sua liberdade para fazer o mal, e ainda alguns usam o nome de Deus para verem-se justificados. Porém Deus não é indiferente ou passivo, mas está a nosso lado, segurando-nos no sofrimento e nutrindo nossa esperança de vida plena.
No Getsêmani, nós nos encontramos com Jesus, plenamente humano, em diálogo (na oração) com o Abbá (Pai), e, ao mesmo tempo, nós o vemos sofrendo pelo “silêncio” dos amigos mais próximos: “E dizia: ‘Abbá, tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice; porém não o que eu quero…’, ao voltar, encontra-os dormindo e diz a Pedro: ‘Simão, dormes’” (vv. 36 e 40). Nos momentos de maior dificuldade é quando mais precisamos do apoio das pessoas que amamos, por isso o silêncio deles pode ser bem mais duro que os golpes dos inimigos.
Jesus tinha admitido, diante dos discípulos, que estava abalado até a profundeza do coração: “Minha alma está triste até a morte”. Podemos ler nas entrelinhas das palavras de Jesus a busca de solidariedade dos amigos, entretanto o relato nos diz que os discípulos caíram em profundo sono. Deve ter sido muito difícil para eles aceitarem a dor e o sofrimento real de Jesus, pois não combinava com a imagem do Messias que desejavam.
A nós também nos custa aceitar um Messias compassivo, que se faz frágil por amor e que conta com nossa solidariedade para aliviar o sofrimento dos crucificados de hoje. Por isso a pergunta e a recomendação de Jesus a Pedro quiçá sejam hoje o imperativo que precisamos para acordar: “Dormes, Simão Não tiveste força para permanecer acordado por uma hora Fica acordado e ora para não entrar em tentação, pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (v. 37).
Jesus não buscava, entretanto, obter um intervencionismo de Deus, mas queria expressar ao Abbá (Pai) sua tristeza e angústia. Certamente Jesus saiu fortalecido desse encontro para enfrentar a paixão e a morte que o esperavam. Destarte, Jesus mostra-nos que é preciso sobreviver às situações difíceis e lutar contra o mal. É preciso orar, pois a comunicação contínua com Deus nos fortalece para enfrentar o sofrimento e as consequências que, pelo Reino de Deus, apresentam-se inevitáveis.
Cristo, assumindo a cruz, solidarizou-se com as vítimas que não têm como evitar o mal e, ainda na dura experiência de abandono dos amigos, manteve-se fiel na entrega a Deus e seu projeto, sem o renegar. Que a consumação e a oblação de Jesus ao projeto de Deus, evidenciadas no Getsêmani, nos fortaleçam na confiança em Deus. E que, acordados, sigamos seus passos, entregues totalmente a Deus e seu projeto do Reino.
Irmã Juana Ortega, SSpS, é teóloga especializada em Bíblia. Nasceu no México, trabalhou em Moçambique e colabora na Animação Vocacional.