É interessante que o evangelista sublinhe que eram muitos os que esperavam a cura e logo dirija nossa atenção no encontro a sós entre Jesus e o homem que estava enfermo: “Encontrava-se ali um homem enfermo havia trinta e oito anos. Jesus o viu aí deitado e, sabendo que estava assim desde muito tempo, perguntou-lhe: ‘Queres ficar sadio’” (versículos 5 e 6). O relato nos diz que o homem ficou curado antes mesmo de proferir qualquer palavra de fé: “Jesus lhe disse: ‘Levanta-te, toma tua maca e anda!’” (v. 8).
O diálogo que se estabelece entre Jesus e esse homem deixa-nos mais desconcertados, pois, embora se trate de uma cura milagrosa, foge do esquema típico das curas de doenças. Geralmente há um pedido e uma afirmação da fé, mas, neste caso, é Jesus quem, por iniciativa própria, apresenta-se ao enfermo com uma oferta. Mesmo diante da negativa deste, Jesus insiste.
Cabe observar que, no caso, o imperativo “Levanta-te” antecipa já a autoridade de Jesus para ressuscitar os mortos (cf. Jo 11). Nessa ótica, o acontecimento transcende a cura física e nos situa perante questões mais profundas que paralisam internamente o ser humano. Podem ser ideologias religiosas ou culturais, indiferença social, sofrimento, injustiça, etc.
Na lógica de nossa sociedade, a gratuidade parece absurda. Em geral, somos educados na ideologia mercantilista. Assim, oferecemos algo (inclusive afeto) ou fazemos favores esperando retribuição (que ganho com isso De que me serve isso…, etc.) Dessa forma, quando é evidente que não seremos retribuídos, nós nos negamos a ajudar e até mesmo nos justificamos com razões socialmente válidas (não faço mal a ninguém, eu trabalho, meu dever é cuidar da minha família…).
Também colocamos a Deus a concepção retributivo-mercantil, por isso nos custa tanto confiar na gratuidade de seu amor e misericórdia (no fundo, acreditamos mais na recompensa e no castigo). Destarte, preferimos pagar que ofertar, cumprir ritos religiosos que ser compassivos com quem está sofrendo da paralisia sociocultural e religiosa. Aliás, se no mais recôndito de nosso coração, estamos satisfeitos sendo como somos, não haverá uma mudança capaz de acolher a oferta libertadora de Jesus.
O enfermo esperava que a água da piscina fosse movimentada e que, daquela vez, conseguisse mergulhar. “O enfermo respondeu: ‘Senhor não tenho ninguém que me leve à piscina quando a água se movimenta. Quando estou chegando, outro entra na minha frente’” (v. 7). O fato de querer curar-se, embora não visse como, pois ninguém o ajudava, foi a primeira atitude para ele receber a cura.
E Jesus manda-o que faça o que parecia impossível. Ele diz “Levanta-te!”. Além do mais, é interessante que Jesus o mande o enfermo carregar a maca na qual este esteve deitado por trinta e oito anos. Porém o homem não se queixa, não se autocompadece; ao contrário, faz o esforço de levantar-se, carregar sua maca e andar.
É, no entanto, um sábado. Logo, a lei rabínica proíbe estritamente as pessoas de carregarem qualquer objeto. Parece, pois, uma ironia que o homem que foi curado agora esteja quebrando a lei. Essa transgressão poderá levá-lo a ser apedrejado até a morte. Por isso, ao ser questionado, ele se defende, colocando a culpa no homem que o curou. É notável que não saiba quem é Jesus, por isso diz: “Aquele que me curou disse: ‘Toma teu leito e anda!’”(v. 11). Na realidade, somente busca ver-se livre da situação.
“Mais tarde, Jesus encontra-o no templo e, desta vez, lhe diz: ‘Ficaste saudável, não peques mais’” (v. 14). Agora não é o profundo da piscina que se mexe, mas é o homem, em seu mais recôndito, estremecendo-se ao descobrir que aquele que o curou e mandou carregar sua maca é Jesus. Certamente, depois disso, as acusações se deslocam à pessoa de Jesus. Entretanto a defesa de Jesus é surpreendente: “Meu Pai trabalha sempre, e eu trabalho também” (v. 17b). Jesus mostra-nos que o cerne da lei de Deus é o amor, a misericórdia e a compaixão.
Indiscutivelmente, o Filho e o Pai não descansam. Eles continuam procurando-nos junto à “piscina”. Eles nos desafiam a levantar-nos da paralisia, para chegarmos àquilo que devemos ser: filhos de Deus. Jesus nos quer de pé, quer-nos carregando nossa maca como testemunho de que é possível sermos seus seguidores!
Irmã Juana Ortega, SSpS, é teóloga especializada em Bíblia. Nasceu no México, trabalhou em Moçambique e colabora na Animação Vocacional.