O encontro de Jesus com mulheres pontua seu caminho entre o anúncio da paixão, morte e ressurreição. A seguir, vamos refletir a aproximação de Jesus com “uma pecadora”, como é denominada pelo evangelista Lucas. O episódio deve ser lido em paralelo com o encontro com “Simão, o Fariseu”. Pois ambos ocorrem na casa deste.
O primeiro dado que recebemos é que Jesus foi convidado por um fariseu para comer com ele (v. 36). Tratava-se de um convite formulado e, portanto, formal, mas não privado. Nessa recepção, com certeza, houve outros convidados. O costume, nesse caso, era deixar abertas as portas da casa. Isso possibilitava o aceso aos comensais. Dessa forma, a irrupção da mulher na casa era possível, embora não fosse “normal”.
O autor apresenta-nos a justificativa do surgimento da mulher: o alabastro com perfume que ela trazia e com o qual ungiu os pés de Jesus. O interessante desse encontro é que ela não falava com palavras, mas com a linguagem corporal. Em outras palavras, podemos dizer que se colocava toda ela em movimento e ia ao encontro e acolhimento de Jesus. A mulher não se limitava pela etiqueta e formalidade, pelo contrário, descobriu seu cabelo e, com ele, secou os pés de Jesus (lembremos que, naquele tempo, descobrir os cabelos diante de desconhecidos era motivo de desonra para as mulheres). Diante do Amor, o amor sentiu-se livre e quebrou condicionamentos.
O choro dessa mulher fala-nos da mais profunda expressão de seu ser. E suas lágrimas substituem a água da acolhida formal que lhe faltou a Simão. Imaginemos o desconforto e a indignação que a presença e o agir dessa “intrusa” causou ao anfitrião. Pois o deixou exposto, na sua rigidez e subordinação aos ritualismos do puro e impuro.
Quando pessoas, grupos e sociedades tornam costumes e ritos normas e formalidades a ser cumpridas, o encontro e a acolhida das pessoas podem se diluir, deixando-os rígidos e endurecidos como Simão, o Fariseu. Logo, a presença de alguém que veja além e que atue de forma diferente (a mulher pecadora) necessariamente questionará e fará com que sejam revisados certos padrões de vida. Por isso, podemos ler, no pano de fundo do encontro de Jesus com Simão, a rejeição à grande novidade de Jesus, pois o Cristo apresentou uma nova forma de ser. Ele acolheu, tocou, aproximou os que a etiqueta religiosa rejeitava.
As pessoas que enfrentam, dia após dia, o drama da fome, da rejeição, da doença esperam ansiosas a visita de Deus. A figura da mulher mostra isso. Nela podemos ver essas multidões famintas, doentes, marginalizadas, as quais Jesus toca e liberta. O fato de Jesus se deixar tocar pelos “pecadores”, aqueles que outros excluem, rompe formalismos frios e desumanos, mostrando-nos que Deus não recusa as pessoas. Deus nos ama e aceita, com alegria, nossa mais profunda expressão de amor. Tenhamos a coragem dessa mulher, que, perdoada, acolheu o Amor com amor. E com ela levemos o alabastro com perfume às pessoas carentes de Deus e necessitadas de inclusão, amor e perdão.
Irmã Juana Ortega, SSpS, é teóloga especializada em Bíblia. Nasceu no México, trabalhou em Moçambique e, atualmente, além de animadora vocacional, acompanha as jovens aspirantes na Comunidade Madre Josefa, em Belo Horizonte-MG.
Referência
MENDONÇA, José Tolentino. A construção de Jesus: a dinâmica narrativa de Lucas. São Paulo: Paulinas, 2018.