O encontro que me devolveu à vida (Lc 7,11-17)

A instauração do Reino de Deus é real e palpável nos sinais e nos ensinamentos de Jesus. Nessa ótica, entendemos o encontro de Jesus com a viúva de Naim (Lc 7,11-17). A grande característica dessa perícope é que se trata de um relato de contrastes entre a morte e a vida. Portanto se emoldura nos costumes e ritos próprios dos cortejos fúnebres. Lembremos que, na maior parte do mundo antigo, o lamento da flauta e outras práticas rituais eram usados para acentuar a desolação e a separação definitiva pela morte. Ora, diante desse drama, Jesus nos mostra a face da compaixão do Abba (Pai), revelando-se como o Senhor da vida e da morte.

“Jesus foi a uma cidade chamada Naim, e o acompanhavam seus discípulos com uma grande multidão. Quando chegou à porta da cidade, coincidiu que estavam levando um morto, um filho único filho, cuja mãe era viúva” (vv. 11-12). É interessante que o local do encontro fosse à porta da cidade. Na Antiguidade, as portas da cidade eram de grande importância, pois, além de dar segurança ao lugar, nelas se exercia a justiça, por isso porta e tribunal eram unívocos. Assim, conclui-se que o evangelista apresenta estrategicamente a porta para estabelecer o limite entre a caravana da vida e a caravana da morte.

Outro detalhe a ser considerado é que o encontro deve ter acontecido no fim da tarde, pois os mortos comumente eram enterrados fora dos muros das cidades, e no fim do dia da morte. Além disso, o autor traz duas multidões caminhando em direções inversas, uma entrando na cidade com Jesus e outra saído da cidade com a viúva. Com Jesus vem uma grande multidão do povo de Deus. Entretanto a que acompanha a mulher é uma multidão suficiente. Significando que a mãe viúva tem a solidariedade de um grupo suficiente de pessoas da comunidade. Entretanto ambas as multidões logo formarão o novo povo de Deus.

No desenrolar da ação, o evangelista nos chama a atenção para o momento-chave: o movimento interno de compaixão que se gera em Jesus diante da mulher. Aqui há algo muito bonito, o olhar de Jesus: “Ao vê-la, o Senhor foi movido de compaixão por ela” (v. 13). Esse “ver” de Jesus, seguido do verbo no passivo, indica que Jesus foi profundamente afetado. O sentido do verbo σπλαγχνίζομαι (“mover-se, ser movido de compaixão, comover-se”) é muito intenso, pois tem o significado de sentir com as entranhas. No Novo Testamento, esse verbo é referido somente ao comportamento de Jesus (cf. Mt 18,27; Lc 10,22; 15,20).

Essa compaixão de Jesus é um sinal da compaixão de Deus, inaugurando seu Reino, e é destinada às pessoas mais desprotegidas e excluídas. Numa sociedade patriarcal, uma viúva que perdesse seu único filho significava que ela ficaria sem qualquer possibilidade de sustento físico e moral. Pois, com a morte do único filho, acabava-se a descendência da família. Dessa ótica, as mulheres que perdessem seu único filho ficavam na mesma posição de desonra e até de “castigo” de Deus que a mulher estéril. Os profetas compararam as catástrofes de Israel precisamente à mãe que perdia o seu único filho (cf. Jr 6,26; Am 8,10b; Zc 12,10b).

Notemos então que não é o morto quem provoca a compaixão em Jesus, mas a mãe que chora imersa na morte do filho. “E disse a ela: não chores!” (v. 13). Essas palavras trazem já a certeza de que não há mais motivo para chorar. Dessa forma, concluímos que a reanimação do jovem é resultado de uma atitude de profunda compaixão de Jesus pela mãe. No Antigo Testamento, órfão e viúva, junto com o estrangeiro, eram os grupos mais pobres e indefensos, portanto Iahweh saiu em seu socorro. O povo da Aliança assim o experimentou e teve de ampará-los por meio das normas jurídicas (cf. Dt 10,18-19; 14,28-29; 24,17-21; 26,12-13; Is 1,17; Jr 22,3).

Na atualidade, assistimos a líderes que se autoproclamam cristãos. Mas, em vez de propor ou resguardar leis que defendam os grupos sociais mais pobres e indefesos, atuam contrariamente. O mais escandaloso é que se resguardam sob o nome de Deus e de Maria para realizar sua destruição. Consequentemente, como a viúva de Naim, os mais fracos enfrentam situações de morte e risco. De modo que podemos perguntar-nos: qual é o choro dos marginalizados e excluídos de hoje O que temos perdido Conservamos a certeza de que com Deus nem a morte é uma derrota Diante das situações cruciais da vida, Jesus é o exemplo.

E, com a força e autoridade da sua palavra, Jesus diz a ele: “Jovem, eu te digo, levanta-te…, e o morto sentou-se e começou a falar” (vv. 14 e 15). O jovem não somente é reanimado e torna à vida, mas também Jesus o restitui como filho (“Ele o entregou à mãe”), para que aquela mulher torne a encontrar a razão da sua vida e a alegria de doar-se ainda. Movido de “compaixão” com a mulher viúva e dando novamente vida ao menino morto, Jesus assume atitudes em favor da vida, como outrora Iahweh havia realizado em favor de seu povo. Deus sai a nosso encontro, dando-nos motivos para exultar de alegria e glória. Espalhemos essa boa notícia na práxis!

Irmã Juana Ortega, SSpS, é teóloga especializada em Bíblia. Nasceu no México, trabalhou em Moçambique e colabora na Animação Vocacional.

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