O valor da oração pelos falecidos

Como em outras culturas e religiões, o cristianismo tem o costume de orar pelos irmãos e irmãs que encerraram o peregrinar por este mundo. Alguns, porém, podem questionar qual o valor de orar pelos mortos. Neste mês em que se celebra o Dia de Finados, creio ser oportuna essa reflexão. A seguir, portanto, apresento sete motivos (há muitos outros) para esse venerável costume.

A morte é um evento também eclesial

“É sentida por demais pelo Senhor a morte de seus santos, seus amigos” (Salmo 115/116, 15). Para Deus, não somos um “número de CPF”. Ele nos conhece e nos chama pelo nome, somos, pelo batismo, “enxertados” no sacratíssimo corpo de Cristo, por isso todo membro da Igreja, cada um com sua individualidade, virtudes e fraquezas, é precioso e traz em si a chama do próprio Deus (infelizmente, muitas vezes, nós nos esquecemos disso!). Orar pelos irmãos e irmãs falecidos é apoiá-los num momento ímpar de sua caminhada. 

Uma das obras de misericórdia corporais

Todos os que se dizem cristãos têm o dever de praticar obras de misericórdia espirituais (dar bom conselho, perdoar, consolar, ensinar, etc.) e corporais (dar de comer e de beber, acolher, vestir os nus, visitar enfermos e encarcerados, etc.). Neste último grupo, está o gesto de sepultar os mortos (não apenas os cristãos). Dar dignidade a quem faleceu é um testemunho de amor. O corpo, “templo do Espírito Santo” (cf. 1 Coríntios 6,19-20), merece respeito na vida e na morte. 

Jesus também passou pela experiência da morte

Nos países de língua portuguesa, há uma aclamação muito bonita na liturgia: “Ele está no meio de nós”. Nunca deveríamos dizer no “piloto automático” esse verso, mas tirá-lo do profundo do coração. O Senhor no meio de nós conhece nossas virtudes, mazelas, desafios. Ele, que não pecou, passou por nossas experiências, inclusive a de morrer. É o Deus compassivo, demonstrando sua solidariedade com o gênero humano. Oramos pelos falecidos porque vivem uma condição pela qual até o próprio Deus passou. Jesus, por outro lado, convoca-nos à ressurreição, à vitória sobre as muitas manifestações de morte.

Gesto de amor

“Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (João 15,12) é o mandamento e a identidade cristã. Sem a prática do amor, a ser demonstrado de diversos modos, não deveríamos nos atrever a dizer que somos seguidores de Jesus. Orar por quem parte e pelos que ficam é um nobre gesto. É uma forma de dizer que não estão sozinhos.

Reconhecimento de nossa condição humana

Certa vez, ouvi uma verdade desconcertante: devemos rezar pelos mortos, pois chegará o dia no qual também alguém fará o mesmo por nós. Isso nos recorda de nossa finitude neste mundo, uma lição constante a ser recordada. Inegavelmente, ao pó voltaremos (cf. Gênesis 3,19). É oportuno reforçar que não oramos pela “alma” da pessoa, como se diz, de modo automatizado, em muitas comunidades cristãs. Como nos ensina a antropologia bíblica, consideramos o ser humano em sua integralidade, inclusive após a morte. Oramos pela pessoa toda! 

Fé na vitória da vida

Uma das passagens mais famosas dos textos litúrgicos católicos diz: “Senhor, para os que creem em vós a vida não é tirada, mas transformada e, desfeita esta morada terrestre, nos é dada uma habitação eterna no céu” (Prefácio dos Fiéis Defuntos I). Um resumo muito consolador de nossa fé na vitória da vida sobre a morte, das luzes sobre as trevas, da graça sobre o pecado. É a declaração firme de que somos chamados sempre à plenitude. Devemos seguir os passos de Jesus mesmo após a impressionante experiência da morte. Nosso Deus é o dos vivos, não dos mortos (cf. Marcos 12,27).

Estar com quem sofre

Ter compaixão não significa ter pena, mas é ser solidário, colocar-se no lugar do outro. Acompanhar um moribundo, até o último momento, é dar-lhe esperança. Cuidar das pessoas enlutadas também é um precioso gesto de empatia. Não é necessário dizer ou fazer muito nesses casos, mas é importante que os sofredores saibam que podem contar com seus irmãos e irmãs. 

Como evento antropológico, a morte e o luto são momentos marcantes da vida e não podem ser ignorados. Quando um fiel ora em favor de quem já partiu (e dos que ficam), portanto, honra os vivos, aqueles que aguardam o encontro definitivo, face a face, com Deus. Em tempo: em sua origem, a palavra cemitério significa “dormitório”, morada provisória.

 

Alessandro Faleiro Marques

Membro da Equipe de Comunicação SSpS Brasil e da Equipe de Espiritualidade da Província SSpS Brasil Norte, diácono na Arquidiocese de Belo Horizonte.

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