Semana Santa no Córrego do Feijão

O Córrego do Feijão é um bairro rural do Município de Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG. No censo demográfico de 2010, foram contados ali 415 residentes. Com o rompimento da barragem da Mina do Feijão, essa comunidade foi a primeira a ser atingida pela lama de rejeitos. Desde então a comunidade passou a viver um verdadeiro pesadelo: gritos sufocados pela lama, perdas de pessoas queridas, histórias de vida destruídas, o desespero diante de tanta dor, os incontáveis dramas pessoais e familiares.

É impossível permanecer indiferente diante de um crime dessa magnitude. É urgente contribuir, de alguma forma, para se ir aos poucos tecendo, reconstruindo, preparando a vitória da vida sobre a morte, verdadeiro sentido da Ressurreição, reconstrução e renascimento, retirar da lama e trazer novamente para primeiro plano a dignidade das pessoas: “Perdi meu pai, um primo, o direito de ir e vir, a dignidade, a paz”.

Foi certamente com esses objetivos que a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB/Belo Horizonte) organizou, para a Semana Santa, uma missão, priorizando os bairros mais atingidos pelo rompimento da barragem da Companhia Vale.

Por meio das irmãs missionárias servas do Espírito Santo (SSpS), solicitei e fui integrada ao grupo para o trabalho específico com os florais de Bach, com as terapeutas florais, Ir. Ana Elídia Neves e Francisca Romana da Costa.

Os florais são reconhecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma terapia complementar, eficaz, no reequilíbrio do estado emocional, restaurando a harmonia e o bem-estar.

Faz parte da terapia floral escutar as pessoas e preparar o remédio adequado às suas necessidades.
Irmã Ana Elídia deu atendimento, e Ana Lúcia manipulou os florais.

Meu trabalho foi o preparo dos florais indicados, adequados ao estado emocional de cada pessoa. É um momento que exige muita concentração e interiorização, para facilitar o contato com o Senhor da Vida, pedindo para aquela pessoa novas forças, esperança, assim como o desejo de uma nova postura diante do crime que se abateu sobre ela.

Assim, pela divulgação que naturalmente foi acontecendo, as pessoas foram chegando, trazendo outras, e outras, e outras, o que nos proporcionou realizar um trabalho intenso, atingindo um número de pessoas acima do previsto para o tempo de que dispúnhamos.

Também participamos das celebrações da Semana Santa, tradição na pequena comunidade. Significativo foi o Sábado Santo, com o “plantio” de grãos de feijão em um vaso devidamente preparado, representando cada pessoa ali presente, acrescentando quem mais quisessem “plantar”, simbolizando que a comunidade do Córrego do Feijão, atingida pela lama que soterrou pessoas queridas, sonhos, esperanças, histórias, agora, pela força da Ressurreição de Jesus, também ressurgirá, e, unidos, construirão uma nova vida, abertos ao belo que o novo também traz.

Agradeço imensamente às SSpS pela oportunidade que me foi dada, de poder acrescentar outras “vidas à minha história, novas lições que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa”, porque “sou feita de retalhos, de pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma. E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados… Haverá sempre um retalho novo para ser costurado” (“Sou feita de retalhos”, de Cris Pizziment).

Ana Lúcia Florêncio é educadora e missionária leiga

A morte e a ressurreição que vêm da lama

Três meses depois, o verde começa a cobrir a lama de rejeitos provenientes da barragem e que enterrou pelo menos 270 pessoas. Destas, 233 já foram identificadas e 37 ainda estão sendo procuradas pelos bombeiros.

Mas, para os moradores que perderam familiares, vizinhos e tantos amigos, a dor ainda está longe de se atenuar. Várias famílias ainda buscam pelo corpo desaparecido, para darem o adeus final. Para todos eles, a realidade é uma só: a vida nunca mais será a mesma…

Uns pensam em sair de lá para não conviver com as lembranças, outros ainda não conseguiram assimilar que seus entes queridos jamais voltarão… Alguns descrevem os gritos dos trabalhadores que não conseguiam escapar da lama… São histórias cheias de terror pelo acontecido e de insegurança pelo que virá depois.

Nesse contexto, nossa equipe missionária, coordenada pela CRB de Belo Horizonte, acompanhou as celebrações do Tríduo Pascal na comunidade de Córrego do Feijão. Como o padre estava se desdobrando para atender às 14 comunidades da paróquia, celebramos de maneira simples e informal, para que a comunidade pudesse partilhar a vida e se apoiar na palavra de Deus. Na Quinta-Feira Santa, refletimos sobre o serviço prestado com amor, que pode dar um novo sentido a quem sofre.

Comunidade reza via-sacra pelas ruas do Córrego do Feijão.

Na Sexta-Feira da Paixão, caminhamos pelas ruas do bairro, rezando a paixão de Cristo e a paixão deles mesmos… A lama vai aos poucos sendo coberta pelo verde que insiste em crescer, mas a contaminação persiste… E o rio Paraopeba? Quando suas águas poderão voltar à vida?
Assim como foi difícil para os discípulos de Jesus acreditar na ressurreição, também o é para os moradores de Córrego do Feijão. Por isso, foi escolhido o símbolo da semente. Ela parece morta, mas a vida está escondida dentro dela, esperando uma chance para se manifestar.

Assim, durante a Vigília Pascal, a comunidade plantou grãos de feijão. O compromisso de cuidar para as sementes poderem nascer e crescer é também o de cuidar uns dos outros, na certeza de que, apesar de tudo, a vida continua e é preciso redescobrir a alegria de viver e de amar.

Cenas da Vigília Pascal: benção do fogo, celebração da Palavra no interior
da tenda e gesto de plantio de feijão como esperança de ressureição.

Contrastando com esse cenário, o Domingo Pascal foi de muita solenidade e festa. A Vale reformou a Igreja de Nossa Senhora das Dores e a casa paroquial, que haviam sido transformadas em campo de operação de resgate, e lhes deu um novo visual, com gramados e jardim. Uma pequena prova de boa vontade que não apaga a omissão e a irresponsabilidade diante de uma tragédia criminosa que poderia ter sido evitada.

Aos moradores do Córrego do Feijão deixamos nossa prece, nosso carinho e a esperança de que a vida é mais forte que a morte. As sementes da ressureição, mais cedo ou mais tarde, desabrocharão.

Irmã Ana Elídia Caffer Neves, SSpS
Jornalista, membro da Equipe de Comunicação Congregacional, coordenadora de Comunicação da Província Stella Matutina (BRN) e terapeuta floral.

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    Reinauguração da Igreja Nossa Senhora das Dores no Córrego do Feijão, onde foi celebrada a missa de Páscoa.
Equipe Missionária que atuou na Comunidade do Córrego do Feijão durante a Semana Santa: Ana Lúcia, Ir. Ana Elídia, Ir. Celuta (salesiana), Ir. Francisca Romana (SSpS) e Ir. Maria Helena (agostiniana).
Detalhe do jardim onde foram colocadas placas apresentando as sete dores de Nossa Senhora.
Consagração do novo altar durante missa de Páscoa por Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte, e dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar para o Vale do Paraopeba.
A equipe de bombeiros que continua trabalhando na busca dos corpos enterrados na lama foi homenageada durante a missa.
Igreja lotada com representantes de diversas comunidades e religiosas que trabalharam durante a Semana Santa no município de Brumadinho.
Manifestantes lembraram os três meses da tragédia crime e fizeram protesto contra a Vale.
Ir. Francisca Romana da Costa durante visita às famílias na Comunidade do Parque da Cachoeira, próxima ao Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Semana Santa.

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