Neste domingo, a Igreja celebra a solenidade de dois grandes apóstolos, Pedro e Paulo: este, grande evangelizador dos pagãos ou gentios; aquele, de seu próprio povo. Como evangelho do dia, escolheu-se a história do caminho de Cesareia de Filipe (Mt 16,13-19). O relato mais antigo está no Evangelho de Marcos (8,27-38), o qual se tornou o pivô de todo o Evangelho. A estrutura de Mateus é diferente, mas o relato tem a mesma finalidade, ou seja, ajudar os ouvintes e leitores a clarificarem quem é Jesus e o que significa ser discípulo ou discípula dele.
A pedagogia do relato é interessante. Primeiro, Jesus faz uma pergunta bastante inócua: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?”. Assim, vem muita resposta, pois responder a essa pergunta não compromete, pois é o “dizem que”. Mas a segunda pergunta traz a “facada”: “E vocês, quem dizem que eu sou?”. Agora não vêm muitas respostas, pois quem responde em nome pessoal, e não dos outros, compromete-se. Somente Pedro se arrisca e proclama a verdade sobre Jesus: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. Aparentemente Pedro acertou, e realmente, em Mateus, Jesus confirma a verdade do que proclamou. Afirmou que foi por meio de uma revelação do Pai que Pedro fez sua profissão de fé. Mas, para que entendamos bem o trecho, é necessário que continuemos a leitura, pelo menos, até o versículo 25. Pois o assunto é mais complicado do que possa parecer.
Após afirmar, pois, que Pedro tinha falado a verdade, Jesus logo explica o que significa ser o Messias (ou, em grego, o Cristo). Não era ser glorioso, triunfante e poderoso, conforme os critérios deste mundo. Muito pelo contrário: era ser fiel à sua vocação como Servo de Javé, era ser preso, torturado e assassinado, era dar a vida em favor de muitos. Jesus confirmou que ele era o Messias, mas não da maneira que Pedro esperava e queria. Ele, conforme as expectativas do povo de seu tempo, queria um Messias forte e dominador, não um que pudesse ir, e levar seus seguidores também, até a Cruz! Por isso Pedro reluta com Jesus, pedindo que nada disso acontecesse. Como recompensa, ganha uma das frases mais duras da Bíblia: “Afaste-se de mim, Satanás, você é uma pedra de tropeço para mim, pois não pensa as coisas de Deus, mas dos homens!” (v. 23). Pedro, cuja proclamação de fé mereceu ser chamada a pedra fundamental da Igreja (v. 18), é agora chamado de Satanás (o Tentador por excelência) e “pedra de tropeço” para Jesus. Pedro usava o título certo, mas tinha a compreensão errada! Usando os nossos termos de hoje, de uma forma um tanto anacrônica, podemos dizer que ele tinha ortodoxia, mas não ortopraxis.
Assim, Jesus usa o equívoco de Pedro para explicar o que significa ser seguidor dele: “Se alguém quer me seguir, renuncie a se mesmo, tome sua cruz, e siga-me” (v. 24). Ter fé em Jesus não é, em primeiro lugar, um exercício intelectual ou teológico, mas uma prática, o seguimento dele, na construção de seu projeto, até as últimas consequências.
Hoje, enquanto celebramos os nossos dois grandes missionários, a pergunta de Jesus ressoa forte (a segunda pergunta). Para nós, quem é Jesus? Não para o Catecismo, não para o Papa ou o bispo, mas para cada de nós, pessoalmente. No fundo, a resposta se dá não com palavras, mas pela maneira em que vivemos e nos comprometemos com o projeto de Jesus; Ele que veio para que todos tivessem a vida e a vida plenamente (Jo 10,10). Cuidemos para que não caiamos na tentação do equívoco de Pedro, a de usar termos corretos, mas com a compreensão errada.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.