A compaixão, uma ação partilhada

Nesta terceira e última parte da série sobre o Ano da Compaixão, buscamos refletir sobre o que as Sagradas Escrituras nos revelam sobre a compaixão de Deus, com base em duas histórias bíblicas muito significativas para o contexto missionário espiritual que desejamos promover. Referimo-nos à história da “Sarça ardente” e à do “Cego de Jericó”.

Como base para uma simples análise desses relatos, queremos destacar duas coisas: primeira, que a experiência da compaixão de Deus na Bíblia é um tema transversal e, portanto, não se limita a histórias clássicas como as Bem-aventuranças e o Bom Samaritano. Segunda, que a experiência do amor compassivo de Deus implica uma obra explícita sobre a vida das pessoas.

A missão de Moisés

Começamos com o texto da “Sarça ardente”, narrada em Êxodo 3,1-17. Embora reconheçamos essa passagem como “A vocação de Moisés”, sabemos que essa história é o prelúdio de uma grande tarefa que Deus lhe confia. Nesse texto, encontramos os elementos centrais dessa tarefa. Três elementos a serem considerados: percepção da realidade, liderança e estratégia de ação.

Percepção da realidade. O Deus dos antepassados se faz presente a Moisés, misteriosamente, na montanha, como uma sarça que arde sem se consumir. Esse Deus chama Moisés e partilha com ele, isto é, conversa com ele sobre como vê a realidade do povo de Israel, que está sendo oprimido e maltratado por seus opressores. Deus diz a Moisés que ouviu suas lamentações e clamores, e que viu seus sofrimentos. Por isso Ele desceu e se revela, porque quer libertá-los. Moisés, por sua vez, conhece essa realidade, pois ele mesmo viveu no Egito. Ele também sabe dos maus-tratos sofridos pelos israelitas, só que, naquele momento, não soube como agir bem diante da realidade de injustiça e fugiu.

Liderança. Deus conhece Moisés. Ele conhece a indignação que Moisés sentiu ao viver no Egito e via a opressão de seu povo. Há algo nesse homem que está em sintonia com o desejo de Deus de libertar o povo. Parece que o próprio Moisés não sabe que pode fazer algo pelo povo de Israel. Por outro lado, Deus vê que Moisés o pode. Deus também o convoca para cuidar do povo. Em todo o Pentateuco, vemos Moisés como o intermediário entre Deus e o povo. O que o fez se destacar aos olhos de Deus? Moisés mostra que, apesar de suas fraquezas, ele é um homem que coloca sua liderança “a serviço” não apenas de Deus, mas também do povo que lhe foi confiado. O apóstolo Paulo retrata Moisés como alguém que escolheu servir a seu povo quando optou por se identificar com a aflição do povo de Deus, em vez de permanecer no luxo e na posição de elite da casa do Faraó (cf. Hebreus 11,24-26).

Estratégia de ação. Qual é a missão de Moisés? Deus chama Moisés para ajudar o povo a sair da situação de opressão em que se encontra e para formar um povo novo, no qual não haja injustiça, opressão ou marginalização. Deus, por sua vez, compromete-se a estar a seu lado e ao lado do povo. Moisés só precisa confiar em Deus. A convocação de Deus a Moisés contém, portanto, três ações: ir ao Egito pedir a libertação do povo de Israel; conduzir o povo para fora do Egito; e conduzir o povo para a Terra Prometida. Da mesma forma, a tarefa de Moisés passa a ser a de apresentar um projeto de libertação ao povo de Israel e fazer com que o povo o aceite. A partir dessa experiência do encontro entre Deus e Moisés, este aprende a amar e interceder por seu povo, e, mesmo quando o povo é infiel a Deus, o coração de Moisés está com sua gente, independentemente de seu pecado (cf. Êxodo 32,13), assim como Deus ama Israel.

Para refletir

– Quais são as aflições vividas por nossas irmãs e pelo povo a nosso redor? 

– Ouvimos a voz de Deus nos convidando a fazer algo?

– Quais são os sinais visíveis de que ouvimos a voz de Deus nos convidando a uma ação concreta?

– Quais são as ações concretas que favorecem o trabalho em equipe e envolvem as pessoas envolvidas?

O cego de Jericó

No NT, particularmente no Evangelho de Marcos 10,46-52, encontramos a história da cura do “Cego de Jericó”. Como sabemos, a realidade social de Israel, na época de Jesus, considerava pobres, entre outros, aqueles que viviam de esmolas. Para muitos, o Cego de Jericó nada mais é do que um homem pobre, uma vítima de sua doença, alguém que não conta nos grandes planos do governo da época.

Os poucos versículos que falam de Bartimeu nos mostram que esse cego era uma pessoa com tenacidade, um daqueles homens que não desistem facilmente. Com certeza, todos na cidade de Jericó o conhecem, porque ele é diferente, tem a facilidade de se relacionar com as pessoas. Muito provavelmente sua vida consiste em ser levado para a beira da estrada todos os dias. Lá ele mendiga, e seu sustento depende da boa vontade dos transeuntes. Sua audição é provavelmente muito aguda e sensível, devido à sua falta de visão, e logo percebe quando alguém se aproxima.

A vida desse cego não deve ter sido fácil. Alguns estão tão acostumados a vê-lo ali que provavelmente o consideram parte da paisagem. Outros talvez parem para lhe jogar algumas moedas e ouvir seus agradecimentos.

“Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!” Bartimeu reconhece que aquele que se aproxima não é apenas mais um pregador no meio do povo. Um aspecto interessante a ser observado nessa história é que o cego não pede a cura a Jesus, mas diz: “Tem compaixão de mim”. Ele sabe que, se Jesus tiver compaixão dele, algo importante vai lhe acontecer. E a multidão, por sua vez, o repreende para que não grite e fique calado.

Em meio a essa situação, Jesus para e manda chamá-lo. Em outras palavras, Jesus para e dá toda sua atenção ao cego que mendiga na estrada. Em resposta ao clamor do cego, Jesus lhe responde com a pergunta: “O que você quer que eu lhe faça”, ou seja, como posso ajudá-lo, como posso cooperar em sua situação. E o cego diz o que precisa: “Mestre, que eu recupere minha visão”.

Quem está gritando na estrada, em nosso contexto social?

Quando Bartimeu sabe que Jesus o chama, ele joga fora sua capa, levanta-se e vai até Jesus. Diante do chamado de Jesus, o cego não hesita nem por um momento em agir; ele sai de sua posição anterior, abandona sua passividade e parte para um novo estado de vida. Sua resposta é imediata e entusiasmada.

Jesus então se comove com o cego. Jesus age conforme seu coração, é empático. Ele age sobre o cego, não para impressionar ou obter prestígio pessoal, mas para gerar algo novo na pessoa do cego. Jesus diz a Bartimeu: “Vá, sua fé o salvou”. Isto é, Jesus acolhe e confirma a participação ativa do cego em sua própria cura: “Sua fé o salvou”.

Jesus nos ensina que a compaixão implica conhecer e agir conforme as necessidades das pessoas, com elas e não sem elas. Ele age publicamente, pois quer revelar que a compaixão de Deus atua no meio de todos e à vista de todos. Ele nos ensina que suas ações são um caminho de transformação interior e exterior do ser humano, e que elas têm repercussões sociais.

Para refletir

– Como respondemos ao apelo dos necessitados?

– Nossas ações sociais missionárias promovem a dignidade, a mudança e o empoderamento das pessoas necessitadas?

Reflexão final

Certamente, todas nós, missionárias servas do Espírito Santo, sentimos e pensamos que nossa presença missionária hoje, onde quer que estejamos, necessita sempre de ser um novo testemunho do amor compassivo de Deus e de Jesus, que humaniza, restaura e inclui todas as pessoas, e protege a Criação.

Nesse sentido, durante este Ano da Compaixão, temos a oportunidade de aprofundar e crescer na consciência de que fomos chamadas a compartilhar nossa vida e missão entre nós, com nossas irmãs e irmãos marginalizados, e com toda a Criação.

Nosso desejo é que nos sintamos convidadas a olhar com olhos compassivos a realidade criada. Do mesmo modo, que nossas estratégias de ação missionária contemplem o jeito de Deus e de Jesus. Que nosso amor compassivo provoque a inclusão e a participação. Que nossa escuta da dor e do sofrimento das pessoas, bem como da Mãe Terra, gere relacionamentos restauradores. Por fim, que cada serviço missionário nosso desencadeie um movimento humanizador; que as pessoas, tal como a natureza, vivam a vida sustentável na Casa Comum, conforme o plano original de Deus.

Veja mais

Série: SSpS celebram o Ano da Compaixão

A compaixão: um apelo somente entre os seres humanos? 

Irmã Kreti Soledad Sanhueza

Missionária Serva do Espírito Santo. Conselheira Geral.

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