Irmã Ana Elidia Caffer Neves é missionária serva do Espírito Santo (SSpS) e coordenadora da Província Stella Matutina. No dia 18 de março, ela conduziu uma palestra aos educadores da Rede de Educação SSpS, abordando o tema “Espiritualidade e Ecologia Integral”. A reflexão foi inspirada na Campanha da Fraternidade 2025 e no Ano da Transformação, celebrado pelas SSpS em todo o mundo. Numa série de três artigos, nosso blog publica o conteúdo apresentado pela irmã, propondo três passos para uma firme conversão ecológica. A seguir, a primeira parte.
A Igreja no Brasil nos convida a assumir um compromisso com a ecologia integral, tema central da Campanha da Fraternidade deste ano. Paralelamente, nossa Congregação das Missionárias Servas do Espírito Santo (SSpS) nos propõe o Ano da Transformação, uma oportunidade para promover as mudanças necessárias em nossa vida pessoal, comunitária e missionária.
Transformar significa também questionar e renovar estruturas arcaicas, buscando novas formas de organização e relacionamento, baseadas em uma vivência mais sinodal, participativa e circular. Ser sinodal significa caminhar juntos, superando a rigidez das estruturas piramidais para construir redes, nas quais todas as pessoas se relacionam, colaboram e se apoiam mutuamente.
Tanto a Campanha da Fraternidade quanto o Ano da Transformação reforçam a urgência do cuidado com o meio ambiente e nos desafiam à conversão ecológica.
No entanto, falar de transformação e conversão não é suficiente para enfrentar a crise climática que vivemos. Ninguém muda hábitos ou comportamentos apenas por ouvir palavras inspiradoras. A mudança verdadeira não acontece instantaneamente, somente porque uma ideia nos parece interessante ou correta.
Toda transformação é desafiadora e nos tira da zona de conforto. É natural resistirmos a tudo que nos provoca e exige de nós novas posturas. A conversão ecológica é um conceito inspirador, mas sua prática exige esforço, persistência e, muitas vezes, um profundo questionamento sobre nossa forma de ser e de estar no mundo.
Ao abordar o tema da espiritualidade e ecologia integral, gostaria de trazer algumas reflexões que nos ajudem a responder às seguintes perguntas:
- Como podemos realizar essa conversão ecológica?
- O que significa, de forma concreta, para nós, como missionárias servas do Espírito Santo, como Rede de Educação e como educadores comprometidos com um projeto político-pedagógico missionário, viver a conversão ecológica?
- Como podemos promover processos de transformação para uma vida mais sustentável junto a nossos alunos e às famílias que atendemos?
- De que forma podemos nos tornar agentes de transformação social no cuidado com a nossa Casa Comum?
Para nos auxiliar nesse caminho e dar passos concretos rumo à conversão ecológica, proponho três linhas de ação e vivência:
- A vivência de uma espiritualidade ecológica.
- A prática de relações justas.
- O cuidado com o meio ambiente.
Essas três dimensões estão profundamente interligadas e caminham juntas. A espiritualidade e as relações justas nos conduzem naturalmente ao cuidado com a Casa Comum. Quando nos conectamos com a natureza, também fortalecemos nossa conexão com Deus (espiritualidade) e com o próximo (relacionamentos justos).
A vivência de uma espiritualidade ecológica
Para que uma transformação real aconteça, ou seja, para que alcancemos uma verdadeira conversão ecológica, precisamos de uma motivação interior profunda, de valores que façam sentido para nós e deem um fundamento sólido às nossas decisões. Por isso, a espiritualidade é um caminho essencial. Sem ela, a conversão ecológica pode se tornar apenas uma ideia bonita, mas sem raízes profundas para sustentar a mudança de mentalidade e comportamento.
Mas afinal, o que entendemos por espiritualidade? Certamente, cada um de nós tem seu próprio conceito e maneira de vivenciá-la. Como missionária serva do Espírito Santo, parto da espiritualidade trinitária e missionária, que é a base de nossa vida. Gosto também de comparar a espiritualidade à seiva de uma árvore: essencial para sua sobrevivência e crescimento, quase invisível, mas responsável por transportar a água e os nutrientes que dão vitalidade à planta. Da mesma forma, a espiritualidade nutre nossa vida interior, nos fortalece nos momentos de dificuldade e dá sentido à nossa existência.
A espiritualidade é um conceito amplo e pode se manifestar de diferentes formas, dependendo da crença religiosa ou visão de mundo de cada pessoa. Em uma abordagem mais universal, podemos defini-la como a busca por significado, propósito e conexão com algo maior que nós mesmos. Pode envolver dimensões religiosas, filosóficas ou pessoais e se expressar através da fé, da meditação, da ética, do cuidado com os outros e com a natureza. Em sua essência, a espiritualidade promove um senso de transcendência e plenitude na vida.
Ao relacionarmos espiritualidade e ecologia integral, é importante esclarecer esse conceito. A ecologia integral reconhece que tudo está interconectado: meio ambiente, sociedade, economia e espiritualidade. Essa abordagem, amplamente difundida pela Encíclica Laudato si’, do Papa Francisco, propõe uma relação harmoniosa entre todos os aspectos da vida no planeta, promovendo um desenvolvimento sustentável que respeita tanto a natureza quanto o ser humano.
É uma visão holística, pois considera a vida em sua totalidade. O próprio termo “integral” remete à inteireza, plenitude (o contrário de algo fragmentado ou dividido).
Na Laudato si’, o Papa Francisco nos alerta que a degradação do meio ambiente não afeta apenas a Mãe Terra, mas impacta sobretudo os mais pobres e vulneráveis. Portanto, o cuidado com o meio ambiente é também uma questão de justiça social, pois tudo está interligado.
Se tudo está interligado, não podemos separar a crise ambiental das crises sociais e éticas. Podemos olhar para as diversas realidades que o mundo enfrenta hoje:
- As guerras entre Rússia e Ucrânia, Israel e Palestina, os conflitos na Síria e em tantos outros países que nem sempre chegam ao nosso conhecimento.
- O fenômeno da migração, com milhares de refugiados forçados a deixar suas casas.
- O crescimento da extrema-direita no mundo e as ameaças às democracias.
- O avanço do fundamentalismo, das polarizações, dos discursos de ódio.
- A violência contra as mulheres, o racismo, as calamidades naturais cada vez mais extremas, o aumento da fome, as epidemias e pandemias.
Tudo isso está interligado. Mesmo quando acontece do outro lado do mundo, de alguma forma, nos afeta.
Diante da emergência climática, com temperaturas globais em ascensão e eventos extremos cada vez mais frequentes, percebemos que essa não é mais uma previsão para o futuro; já estamos sentindo seus impactos. Todos temos ainda na memória as imagens das enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024…
Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertam que, se não tomarmos medidas drásticas e imediatas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, poderemos atingir pontos de não retorno entre 2030 e 2050, tornando o aquecimento global ainda mais difícil de conter.
Diante desse cenário alarmante, vejamos o que dizem nossas Direções Congregacionais (nº 2): “Despertadas pelo grito da Trindade através da dor e do sofrimento da Mãe Terra, e de nossos irmãos e irmãs à margem, a conversão ecológica e a vida sustentável se tornam um compromisso ético inalienável”.
Esta expressão, “o grito da Trindade”, é muito forte e instigante. Geralmente, imaginamos um Deus silencioso, que observa à distância, sem interferir diretamente em nossa vida. Mas, aqui, a Trindade está gritando! Diante das crises que assolam o planeta e do sofrimento da humanidade, precisamos despertar. Não podemos continuar indiferentes.
A Trindade Santa grita porque sofre com a dor da Mãe Terra e de todos os seus filhos e filhas. Ela escuta o gemido da criação, um sofrimento profundo que ameaça não apenas a biodiversidade, mas a própria sobrevivência da humanidade.
Solidária com os mais vulneráveis, a Santíssima Trindade grita de dor:
- Pela boca das crianças que morrem de fome e nas guerras.
- Pelos jovens que não encontram sentido para suas vidas.
- Pelos idosos abandonados, pelas mulheres vítimas de violência.
- Por todas as pessoas escravizadas por um sistema econômico injusto.
- Pelos animais e plantas ameaçados de extinção.
- Pela exploração impiedosa dos recursos naturais, que destrói ecossistemas inteiros.
Toda essa dor é fruto da injustiça, da indiferença, da visão fragmentada que nos impede de enxergar a interconexão entre todas as coisas. Muitas vezes, sem perceber, reproduzimos, em diferentes escalas, os padrões de violência e exploração que já estão enraizados dentro de nós.
A ecoespiritualidade como resposta
Diante do grito da Trindade, como podemos responder?
Uma das respostas possíveis vem da ecoespiritualidade, que integra fé, cuidado e reverência pela natureza. Essa abordagem nos convida a reconhecer a interconexão entre Deus, os seres humanos e toda a Criação.
A ecoespiritualidade parte do entendimento de que a Terra e todos os seres vivos são sagrados. Como filhos e filhas do Criador, temos a responsabilidade de protegê-los e viver em harmonia com eles.
A conversão ecológica, portanto, não é somente uma questão ambiental, mas espiritual e ética. Ela exige que repensemos nossa relação com o mundo, com os outros e com nós mesmos.
Princípios da ecoespiritualidade
A ecoespiritualidade nos convida a enxergar o mundo de forma integrada, reconhecendo a interconexão entre todos os seres e assumindo o compromisso de cuidar da Criação como um ato de fé. Entre seus principais princípios, destacamos:
1. Interconexão e unidade
Na natureza, tudo está interligado. Nenhum ser vive isolado; cada elemento faz parte de um sistema de relações e interdependências. Precisamos uns dos outros para existir. Se eliminamos um único elemento da natureza, podemos desequilibrar ou até destruir um ecossistema inteiro. Essa interconexão nos convida a cuidar da vida em todas as suas formas, pois cada ser tem sua importância no grande equilíbrio da criação.
2. Sacralidade da natureza
A natureza não é somente um recurso a ser explorado, mas uma manifestação do Sagrado. Diversas tradições religiosas reconhecem esse valor, como a própria Bíblia: “Do Senhor é a terra e tudo o que nela existe” (Salmo 24,1). O livro do Gênesis nos diz que, ao terminar a criação, Deus contemplou sua obra e viu que tudo era bom! Ainda hoje, a ciência não consegue explicar completamente como surgiu a vida no planeta. A probabilidade de que tenha surgido por mero acaso é praticamente nula. A vida continua sendo um mistério insondável, diante do qual somos convidados a mudar o nosso olhar. Mais do que um objeto de exploração, a natureza deve ser contemplada com gratidão, respeito e admiração, pois é um presente do Criador.
3. Conversão ecológica
Inspirada pelo pensamento do Papa Francisco na Encíclica Laudato si’, a ecoespiritualidade nos convida a uma mudança profunda de mentalidade e atitudes em relação ao meio ambiente. A conversão ecológica não se trata apenas de ações isoladas, mas de um novo estilo de vida, em sintonia com a criação.
4. Simplicidade e sustentabilidade
A ecoespiritualidade nos chama a viver de maneira mais simples, reduzindo o consumismo e promovendo a justiça ecológica. Pequenas escolhas no dia a dia, como reduzir desperdícios, consumir de forma consciente e valorizar o que realmente importa, fazem parte desse caminho de transformação.
5. O cuidado como atitude espiritual
O cuidado com a Terra e com os mais vulneráveis não é somente uma responsabilidade social, mas um ato de fé e compromisso espiritual. Quando cuidamos da criação, estamos expressando o amor de Deus no mundo e fortalecendo nossa relação com Ele. A ecoespiritualidade se manifesta de diversas formas, tanto dentro das tradições religiosas quanto em movimentos inter-religiosos e ecológicos, que buscam uma relação mais harmoniosa entre fé e meio ambiente. Ela nos convida a unir espiritualidade e ação concreta, promovendo um mundo mais justo, equilibrado e sustentável para todos.
No segundo texto desta série, será destacada a prática de relações justas, fundamentais para o futuro de nossa casa comum.
Para saber mais
Parte II: A prática de relações justas
Parte III: O cuidado com o meio ambiente
2025 será o Ano da Transformação
Irmã Ana Elidia Caffer Neves, SSpS
Coordenadora da Província Stella Matutina (Brasil Norte).