No segundo texto da série “Espiritualidade e ecologia integral”, a Ir. Ana Elidia Caffer Neves, missionária serva do Espírito Santo e coordenadora da Província Stella Matutina, aborda a importância da prática de relações justas. Esse passo, juntamente com a vivência de uma espiritualidade ecológica (veja a parte I) e o cuidado com o meio ambiente (parte III), ajuda-nos a uma autêntica conversão ecológica. Confira!
Fomos criados à imagem e semelhança de Deus, que é Trindade: uma comunhão de amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Como reflexo dessa realidade divina, somos chamados a viver em relação com nós mesmos, com os outros, com Deus e com toda a Criação.
A qualidade dessas relações define não somente nosso bem-estar, mas também o futuro de nossa casa comum e de todas as criaturas que habitam nela.
O que são relações justas?
Na antropologia cristã, relações justas são aquelas fundamentadas na dignidade humana, no amor ao próximo e na justiça social. Elas se baseiam no ensinamento de que cada pessoa é criada à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1,27) e, por isso, deve ser tratada com respeito, equidade e compaixão.
Princípios das relações justas
- Dignidade e igualdade: toda pessoa tem um valor inestimável diante de Deus, independentemente de origem, condição social ou crença (Gálatas 3,28).
- Amor e compaixão: o amor ao próximo, ensinado por Jesus (Mateus 22,37-39), deve ser a base de nossas relações.
- Justiça e solidariedade: a justiça vai além da ausência de opressão; ela exige um compromisso ativo com o bem comum (Provérbios 31,8-9).
- Perdão e reconciliação: as relações justas incluem perdão e busca pela reconciliação, evitando vingança e promovendo a paz (Mateus 5,23-24).
- Responsabilidade e serviço: a verdadeira justiça exige que cada um assuma suas responsabilidades e sirva aos mais vulneráveis (Mateus 25,40).
Esses princípios devem guiar nossas relações em todos os níveis: com nós mesmos, com os outros, com Deus e com a Criação.
Relação comigo mesmo(a)
Como me vejo? Será que reconheço que fui criado, criada à imagem e semelhança de Deus e sou profundamente amado, amada por ele?
Muitas vezes, carregamos dentro de nós inseguranças, ansiedades e baixa autoestima. Mas Deus nos convida à cura interior e ao autoconhecimento para vivermos com mais liberdade e plenitude.
Se estamos em paz com nós mesmos, espalhamos essa paz para os outros. Por outro lado, quando carregamos sofrimento interno, muitas vezes, acabamos ferindo quem está ao nosso redor.
Cultivar o cuidado interior e a espiritualidade nos ajuda a sermos pessoas melhores e mais disponíveis para servir a Deus e à humanidade.
Relação com os outros
Somos todos filhos e filhas de Deus, e, por isso, irmãos e irmãs. A dignidade de cada pessoa é igual, independentemente de classe social, gênero, cultura ou etnia.
No entanto, vemos tantas relações marcadas por competição, desigualdade e violência… O Papa Francisco, em sua Encíclica Fratelli tutti, nos lembra da importância da fraternidade e da amizade social, construídas pelo diálogo, respeito e escuta mútua.
Mas então, por quê:
- Em vez de nos amarmos, vivemos relações competitivas e buscamos privilégios?
- Nós nos acostumamos com a fome e a desigualdade, como se fossem normais?
- Somos indiferentes ao sofrimento dos outros e naturalizamos a violência?
Se queremos viver relações justas, precisamos questionar nossa postura diante do mundo e nos comprometer com a justiça e o amor ao próximo.
Relação com Deus
A forma como nos relacionamos com Deus reflete, muitas vezes, a maneira como nos vemos e nos relacionamos com os outros.
- Se vejo Deus como um juiz severo e castigador, posso justificar a vingança e a violência.
- Mas se experimento Deus como um Pai amoroso e compassivo, sou chamado, chamada a espalhar esse amor no mundo.
Nossa espiritualidade deve ser encarnada e transformadora. A prática da oração, da meditação e da contemplação nos torna pessoas mais equilibradas e comprometidas com a vida.
Uma relação profunda com Deus nos leva a uma verdadeira conversão ecológica, pois nos ajuda a enxergar o sagrado em toda a criação.
Relação com a natureza
São Francisco de Assis nos ensina que todas as criaturas são nossas irmãs. Fazemos parte de uma grande fraternidade universal, na qual todos têm direito à existência e ao respeito.
Então, devemos nos perguntar:
- Será que me vejo como parte da natureza ou me coloco acima dela?
- Respeito o espaço e o direito à vida dos outros seres vivos?
- Por que, ao ver um inseto, minha primeira reação é querer matá-lo?
A nossa relação com a natureza ainda está distante da justiça e da harmonia. Muitas vezes, sem considerar as consequências, impomos nosso próprio capricho sobre os animais e os recursos naturais.
Por isso, mais do que nunca, precisamos de uma verdadeira conversão ecológica que nos ajude a viver relações justas como um compromisso de fé. Isso exige que cuidemos:
- De nós mesmos, cultivando a paz interior.
- Dos outros, promovendo dignidade e justiça.
- De nossa relação com Deus, permitindo que seu amor transforme nossas vidas.
- Da criação, respeitando e protegendo a natureza como um dom sagrado.
No terceiro e último texto desta série, será destacado o cuidado com o meio ambiente, sinal indispensável de uma conversão ecológica.
Para saber mais
Parte I: Passos para uma conversão ecológica
Parte III: O cuidado com o meio ambiente
2025 será o Ano da Transformação
Irmã Ana Elidia Caffer Neves, SSpS
Coordenadora da Província Stella Matutina (Brasil Norte).